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CRIAÇÃO & CONSUMO
Ninguém mais lê texto?
MARCELO PIRES
Uma bobagem que se repete à
exaustão em salas de reunião de
agências de propaganda é que
hoje ninguém mais lê texto. E
que o ideal é ter uma imagem
forte no anúncio, já que, segundo a maioria dos publicitários,
uma imagem vale por mil palavras. Eu, que sou redator, cresci
entre livros e sou chegado a
umas palavrinhas bem alinhavadas, sempre me aborreço com
esse tipo de papo furado. Por outro lado, sempre me regozijo
quando um texto, de anúncio ou
não, provoca reações surpreendentes. Uma carta que escrevi
para o Consulado americano
-e o resultado que ela trouxe-
me proporcionou altas doses de
alento. Leia a carta que depois
conto o resultado.
Ao Consulado americano,
Senhores,
Já fui várias vezes aos Estados
Unidos da América. Conheço
Nova York, Boston, Los Angeles,
Washington, Miami. E tenho
particular simpatia por São
Francisco, uma das cidades do
mundo que, na minha opinião,
concorrem em beleza com o Rio
de Janeiro.
Pretendo agora retornar aos
Estados Unidos. Meu visto, por
sinal, está em dia, e, por meio
desta, venho solicitar o visto de
minha noiva, Leticia Wierzchowski. É que ela, romancista,
sofre uma situação constrangedora: não tem nenhum tipo de
vínculo empregatício. Se não
tem isso, tem, pelo menos, talento. Já publicou dois livros: "O
Anjo e o Resto de Nós", romance, e "Anuário dos Amores",
contos, ambos pela Artes e Ofícios, editora gaúcha (artesofi@pro.via-rs.com.br).
Como eu tenho vínculo empregatício -com a W/Brasil Publicidade Ltda., rua Novo Horizonte, 78, São Paulo, SP-, apresento meu demonstrativo de pagamento (e meu passaporte) para
avalizar o pedido de visto dela.
Iremos e, depois de duas semanas, voltaremos juntos.
Muito obrigado pela atenção
dos senhores. Compreendam a
objetividade da carta. Liberado
o visto, Leticia irá aos Estados
Unidos e, com certeza, voltará.
Sua sobrevivência, em últimas
instâncias, depende da língua
portuguesa.
Desde já agradeço.
Marcelo Pires.
Resultado? Visto até 2009, sem
necessidade de entrevistas, apresentação das passagens ou qualquer outro tipo de burocracia. A
pessoa que leu a cartinha, menos de 200 palavras, deu-se por
satisfeita e carimbou de imediato o passaporte. Muito obrigado,
Consulado americano. O visto
que vocês concederam à Leticia
acabou renovando a minha esperança em textos verdadeiros,
claros e objetivos.
PS: por falar em textos, estão
desbundantes os do Luís Fernando Verissimo nos editoriais
da revista "Bundas". Uma aula
de lucidez. E de bom humor.
LFV mantém-se uma referência
nestes tempos cada vez mais hipócritas de FHC.
Marcelo Pires é diretor de criação da W/
Brasil
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