São Paulo, Sábado, 31 de Julho de 1999
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CRIAÇÃO & CONSUMO

Ninguém mais lê texto?

MARCELO PIRES

Uma bobagem que se repete à exaustão em salas de reunião de agências de propaganda é que hoje ninguém mais lê texto. E que o ideal é ter uma imagem forte no anúncio, já que, segundo a maioria dos publicitários, uma imagem vale por mil palavras. Eu, que sou redator, cresci entre livros e sou chegado a umas palavrinhas bem alinhavadas, sempre me aborreço com esse tipo de papo furado. Por outro lado, sempre me regozijo quando um texto, de anúncio ou não, provoca reações surpreendentes. Uma carta que escrevi para o Consulado americano -e o resultado que ela trouxe- me proporcionou altas doses de alento. Leia a carta que depois conto o resultado.
Ao Consulado americano,
Senhores,
Já fui várias vezes aos Estados Unidos da América. Conheço Nova York, Boston, Los Angeles, Washington, Miami. E tenho particular simpatia por São Francisco, uma das cidades do mundo que, na minha opinião, concorrem em beleza com o Rio de Janeiro.
Pretendo agora retornar aos Estados Unidos. Meu visto, por sinal, está em dia, e, por meio desta, venho solicitar o visto de minha noiva, Leticia Wierzchowski. É que ela, romancista, sofre uma situação constrangedora: não tem nenhum tipo de vínculo empregatício. Se não tem isso, tem, pelo menos, talento. Já publicou dois livros: "O Anjo e o Resto de Nós", romance, e "Anuário dos Amores", contos, ambos pela Artes e Ofícios, editora gaúcha (artesofi@pro.via-rs.com.br).
Como eu tenho vínculo empregatício -com a W/Brasil Publicidade Ltda., rua Novo Horizonte, 78, São Paulo, SP-, apresento meu demonstrativo de pagamento (e meu passaporte) para avalizar o pedido de visto dela. Iremos e, depois de duas semanas, voltaremos juntos.
Muito obrigado pela atenção dos senhores. Compreendam a objetividade da carta. Liberado o visto, Leticia irá aos Estados Unidos e, com certeza, voltará. Sua sobrevivência, em últimas instâncias, depende da língua portuguesa.
Desde já agradeço.
Marcelo Pires.
Resultado? Visto até 2009, sem necessidade de entrevistas, apresentação das passagens ou qualquer outro tipo de burocracia. A pessoa que leu a cartinha, menos de 200 palavras, deu-se por satisfeita e carimbou de imediato o passaporte. Muito obrigado, Consulado americano. O visto que vocês concederam à Leticia acabou renovando a minha esperança em textos verdadeiros, claros e objetivos.

  PS: por falar em textos, estão desbundantes os do Luís Fernando Verissimo nos editoriais da revista "Bundas". Uma aula de lucidez. E de bom humor. LFV mantém-se uma referência nestes tempos cada vez mais hipócritas de FHC.


Marcelo Pires é diretor de criação da W/ Brasil


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