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LUÍS NASSIF
A indefinição do lobby
Na chamada lei da transparência, promulgada pelo governo federal -em resposta ao clamor público provocado
pelo episódio Eduardo Jorge-,
deixou-se de fora o principal: a
regulamentação da profissão de
lobista.
Em coluna de 1º de agosto, eu
dizia aqui das diversas formas
de interferência do ex-funcionário ou ex-autoridade no serviço
público. De como algumas feriam o Código Penal e outras feriam princípios de impessoalidade, mas sem que essa conduta
fosse tipificada em lei.
Essa zona cinzenta é que permitia não só a Eduardo Jorge
sair do poder e fazer valer sua
influência como a membros de
todos os partidos e governos
praticar o mesmo jogo. Dizia
que essa prática era tida como
normal por membros de equipes
políticas de praticamente todos
os governos, mas não era mais
aceita pela opinião pública. E
que, enquanto não fosse regulamentada essa atividade e definidos claramente os seus limites
e punições, se teria uma crise
política interminentente.
Alguns procuradores me escreveram informando que a
atuação de Eduardo Jorge está
claramente tipificada no Código
Penal, no capítulo que fala sobre tráfico de influência.
Não é a opinião de criminalistas respeitados, como Arnaldo
Malheiros Júnior. Diz ele, literalmente:
"No Brasil, a ação de lobby
não é tipificada. Se o sujeito cobra garantindo resultado a funcionário público sobre o qual ele
tenha influência, trata-se de exploração de prestígio. Caso contrário, o lobby não está caracterizado. O artigo mencionado
pelo procurador caracteriza tráfico de influência como "obter
para si ou para outrem vantagem ou promessa de vantagem
a pretexto de influir em funcionário público'". Esse influir é entendido como você conseguir
conduzir os atos dele.
Na opinião de Malheiros, fica
mais claro se se passar a situação para o âmbito do Judiciário.
Uma pessoa contrata um advogado para passar os argumentos
para o juiz. Isso obviamente não
é crime. Crime seria se o advogado dissesse que controla o
juiz.
"Agora transfere para o papel
de outro profissional perante o
Legislativo e o Executivo", diz
Malheiros. Nos EUA o registro
de lobby no Congresso é justamente para o sujeito que vai
exercer essa função. Vai patrocinar o interesse privado perante
o Legislativo e o Executivo, exatamente como o advogado faz
perante o Judiciário. Mas é obrigado a se identificar e a se submeter a limitações.
"No Brasil não existe essa
obrigatoriedade. O velho "Estatuto da Ordem" dizia que o juiz,
depois que se apresenta, não poderia advogar durante dois
anos. Vigorou de 63 até o governo Figueiredo, quando o STF,
numa decisão relatada por Alfredo Buzaid, disse que era inconstitucional porque violava a
liberdade de trabalho. Buzaid
relatou, aposentou-se e abriu escritório de advocacia. Mas sua
sentença ficou consagrada.
Tanto que existem inúmeros desembargadores que se aposentam e passam a advogar em seguida."
Por exemplo, o ex-secretário
da Receita Federal Ozires Lopes
patrocina inúmeras ações contra a própria Receita, o ex-procurador-geral da República
Aristides Junqueira defende várias ações contra a União, há
inúmeros ex-procuradores defendendo acusados em inquéritos do Ministério Público, há ex-diretores de bancos públicos que
montavam assessorias para facilitar a captação de crédito em
suas antigas instituições. Qual o
limite?
O pacote de transparência do
governo passou ao largo disso. E
essa indefinição está por trás de
todo o jogo de influência de
Eduardo Jorge em diversos órgãos, dos problemas que acometem o Serpro e o grande jogo de
lobby em torno de softwares e
dos inúmeros escritórios de lobbies que foram montados nos
últimos anos em Brasília por ex-integrantes de sucessivos governos.
Sem essa regulamentação, os
lobbies continuarão a imperar
em Brasília.
E-mail - nassif@advivo.com.br
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