São Paulo, quinta-feira, 31 de agosto de 2000


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LUÍS NASSIF

A indefinição do lobby

Na chamada lei da transparência, promulgada pelo governo federal -em resposta ao clamor público provocado pelo episódio Eduardo Jorge-, deixou-se de fora o principal: a regulamentação da profissão de lobista.
Em coluna de 1º de agosto, eu dizia aqui das diversas formas de interferência do ex-funcionário ou ex-autoridade no serviço público. De como algumas feriam o Código Penal e outras feriam princípios de impessoalidade, mas sem que essa conduta fosse tipificada em lei.
Essa zona cinzenta é que permitia não só a Eduardo Jorge sair do poder e fazer valer sua influência como a membros de todos os partidos e governos praticar o mesmo jogo. Dizia que essa prática era tida como normal por membros de equipes políticas de praticamente todos os governos, mas não era mais aceita pela opinião pública. E que, enquanto não fosse regulamentada essa atividade e definidos claramente os seus limites e punições, se teria uma crise política interminentente.
Alguns procuradores me escreveram informando que a atuação de Eduardo Jorge está claramente tipificada no Código Penal, no capítulo que fala sobre tráfico de influência.
Não é a opinião de criminalistas respeitados, como Arnaldo Malheiros Júnior. Diz ele, literalmente:
"No Brasil, a ação de lobby não é tipificada. Se o sujeito cobra garantindo resultado a funcionário público sobre o qual ele tenha influência, trata-se de exploração de prestígio. Caso contrário, o lobby não está caracterizado. O artigo mencionado pelo procurador caracteriza tráfico de influência como "obter para si ou para outrem vantagem ou promessa de vantagem a pretexto de influir em funcionário público'". Esse influir é entendido como você conseguir conduzir os atos dele.
Na opinião de Malheiros, fica mais claro se se passar a situação para o âmbito do Judiciário. Uma pessoa contrata um advogado para passar os argumentos para o juiz. Isso obviamente não é crime. Crime seria se o advogado dissesse que controla o juiz.
"Agora transfere para o papel de outro profissional perante o Legislativo e o Executivo", diz Malheiros. Nos EUA o registro de lobby no Congresso é justamente para o sujeito que vai exercer essa função. Vai patrocinar o interesse privado perante o Legislativo e o Executivo, exatamente como o advogado faz perante o Judiciário. Mas é obrigado a se identificar e a se submeter a limitações.
"No Brasil não existe essa obrigatoriedade. O velho "Estatuto da Ordem" dizia que o juiz, depois que se apresenta, não poderia advogar durante dois anos. Vigorou de 63 até o governo Figueiredo, quando o STF, numa decisão relatada por Alfredo Buzaid, disse que era inconstitucional porque violava a liberdade de trabalho. Buzaid relatou, aposentou-se e abriu escritório de advocacia. Mas sua sentença ficou consagrada. Tanto que existem inúmeros desembargadores que se aposentam e passam a advogar em seguida."
Por exemplo, o ex-secretário da Receita Federal Ozires Lopes patrocina inúmeras ações contra a própria Receita, o ex-procurador-geral da República Aristides Junqueira defende várias ações contra a União, há inúmeros ex-procuradores defendendo acusados em inquéritos do Ministério Público, há ex-diretores de bancos públicos que montavam assessorias para facilitar a captação de crédito em suas antigas instituições. Qual o limite?
O pacote de transparência do governo passou ao largo disso. E essa indefinição está por trás de todo o jogo de influência de Eduardo Jorge em diversos órgãos, dos problemas que acometem o Serpro e o grande jogo de lobby em torno de softwares e dos inúmeros escritórios de lobbies que foram montados nos últimos anos em Brasília por ex-integrantes de sucessivos governos.
Sem essa regulamentação, os lobbies continuarão a imperar em Brasília.


E-mail - nassif@advivo.com.br


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