São Paulo, sexta-feira, 31 de agosto de 2007

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VINICIUS TORRES FREIRE

Um rótulo à procura de uma idéia

Economia vive as benesses do "social-desenvolvimentismo", diz Mantega, mas novo rótulo só superfatura idéias prontas

A NOMEAÇÃO de economistas de esquerda para cargos da periferia do poder do governo Lula tem parecido uma tentativa de arejar a retórica econômica oficial, de ares tucano-liberais faz pelos 15 anos. É Luciano Coutinho no BNDES, Marcio Pochmann (Unicamp) e João Sicsú (UFRJ) no Ipea, além da inefável "alternativa transformadora" de Mangabeira Unger, da Secretaria de Planejamento de Longo Prazo, que tocou as mudanças no Ipea. No "longo prazo" talvez as idéias do governo Lula mudem.
No curto prazo, vale para manter a "honra da casa" esquerdista.
Mas hoje soubemos pelo ministro Guido Mantega que um novo modelo econômico já formata a atividade produtiva nacional: é o social-desenvolvimentismo, novidade anunciada na reunião da cúpula do governo. Segundo o ministro da Fazenda, o social-desenvolvimentismo se traduz no atual ciclo de "crescimento sustentado" (de dois anos e pico, na verdade), combinado com redistribuição de renda e redução da pobreza. Os novos economistas do governo então seriam apenas coadjuvantes tardios na elaboração desse novo modelo, burilado aos trancos e barrancos no governo Lula?
O que seria o social-desenvolvimentismo na prática, visto que seus pressupostos teóricos ainda não foram explicitados por Mantega?
Na base da máquina do modelo está um Banco Central mais conservador que o dos tucanos, BC que baixou a inflação a 3% e pouco, acumulou reservas e estabilizou as finanças do país (apesar do preço salgado).
Mas o BC é quase uma satrapia ou ducado autônomo, conduzido por um duque tucano e antigo desafeto do Ministério da Fazenda.
A máquina do social-desenvolvimentismo é azeitada por dois canais. Um é o brutal aumento de consumo do complexo China e cia., que lubrifica com dólares o nosso comércio exterior e as nossas reservas. O outro lubrificante é obtido nas moendas de imposto, que trituram as rendas de famílias e empresas.
Ou seja, a máquina do crescimento de Mantega foi montada num desmanche de idéias e instituições dos últimos 15 anos. A política monetária e de abertura financeira veio do tucanato fernandino. O aumento do superávit primário é uma peça tucana recondicionada pelo paloccismo. O baixo nível de investimento público foi achado no lixão tucano e pouco mudou, mesmo com as injeções cada vez maiores de arrecadação de imposto no caixa do governo.
O Bolsa Família era um motorzinho tucano que foi turbinado pelo governo Lula, é verdade. Parte da redistribuição de renda foi um resultado não-intencional da abertura comercial, que fez as empresas se espalharem pelo país, à procura de trabalho mais barato que o das metrópoles.
Para não se alongar sobre o desmanche lulo-fernandino, o mais importante é perguntar: quais as mudanças institucionais implementadas pelo lulismo, mudanças que alteraram de modo estrutural a distribuição de capital, renda e empregos pelo país e entre as classes sociais?
Aumentar o salário mínimo, o benefício das aposentadorias e as Bolsas pode ser meritório, mas tem um limite fiscal e não altera a estrutura econômica. Enfim, por ora, o social-desenvolvimentismo é um rótulo à procura de uma idéia.


vinit@uol.com.br

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