São Paulo, Terça-feira, 31 de Agosto de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA

Cem sem cem

BENJAMIN STEINBRUCH

Depois de marchas e contramarchas, com cem e sem 100 mil manifestantes, com rumo e sem rumo, com unidade e sem unidade da oposição, com ruralistas e sem ruralistas, com caminhoneiros e sem caminhoneiros, com dólar a R$ 2 e sem dólar a R$ 2, o Brasil se encontra no "day after" mais uma vez.
Sobrevivemos. Mas o que podemos tirar de prático dessa manifestação toda? Certamente o descontentamento da maior parte da população com seu dia-a-dia cheio de insegurança, cheio de desacertos, de falta de trabalho, de ausência de perspectiva e esperança. O que fazer, então?
Outra mudança de ministros não seria o caso, já que o problema não são pessoas. Modificação radical da política econômica também não seria a solução, já que implicaria grandes riscos de incompreensão, aqui e lá fora, e instabilidades externas certamente ocorreriam.
A continuidade das votações das reformas, a aprovação do novo Orçamento (agora redigido e montado de uma forma que todos podem entender), a divulgação do novo Plano Plurianual de Desenvolvimento (agora batizado com o slogan "Avança Brasil"), a continuidade do programa de privatizações, a maior proximidade do Palácio do Planalto com os partidos que compõem a base do governo são ações muito importantes, desejadas e oportunas.
Mas o que eu gostaria de sugerir é que o governo partisse para coisas concretas, em sintonia com tudo o mais que está sendo projetado, estudado ou votado. É a hora, por exemplo, de lançar logo o programa de 1 milhão de casas populares a ser implementado o mais longe possível do Orçamento, buscando-se formas de gerar suprimentos e angariar financiamentos externos, a ser repassados aos compradores dos imóveis.
Também dá para ser prático e objetivo na agricultura, com um programa para a "segunda safra", já que estamos iniciando o plantio da primeira safra em setembro e o Brasil tem condições de solo e de clima, excelentes e diferenciadas, que nos permitem produzir uma segunda safra em grande parte do nosso território. O que europeus e norte-americanos, por exemplo, não podem sequer imaginar.
Outro caminho é o programa de incremento do turismo, com metas claras, para que assumamos, de fato, uma liderança continental, em vez de continuarmos disputando estatísticas com o Uruguai, a Costa Rica, a Argentina, o Chile e até os minipaíses do Caribe. Nessa área o Brasil já alcançou bastante, e basta que se apresentem diretrizes claras e se dê suporte ao que já se faz nos Estados, nos municípios e nas empresas de todos os tamanhos que já operam no turismo doméstico. São empresas, empresários e profissionais que têm tudo para se transformar em fábricas de divisas, acolhendo o turista internacional.
Outra idéia exequível a curto prazo é a do financiamento especial para a exportação, com linhas abertas para a manutenção e o incremento das quantidades exportadas.
Mencionei aqui quatro ações específicas que podem e devem ser realizadas sem ameaças de mudanças da política econômica. É que todos concordamos que é preciso partir, de novo, para o desenvolvimento, mas vejo, com tristeza, que muitas das propostas hoje apresentadas se baseiam em práticas antigas que privilegiavam a gastança, a emissão de dinheiro sem lastro produtivo e outras experiências tristes que se constituíram, pela sua soma, no terrível rastilho da inflação.
Chega de tentar o que todos sabemos que não pode dar certo. Desenvolvimento, sim, apoiado em ações concretas e enérgicas que não possam ser convertidas, por má-fé ou imprudência, em tristes prólogos da volta da inflação.
Não é possível esquecer a hiperinflação de que nos livramos há bem pouco tempo, o imposto mais perverso jamais cobrado dos brasileiros e do país. A distorção inflacionária agravou as nossas chagas sociais, desarrumou a economia e encheu de obstáculos a volta à seriedade que se baseia em um princípio de enorme simplicidade: o Brasil não pode gastar mais do que arrecada. Nenhum país pode!
Não nos esqueçamos disso. E vamos, com criatividade, explorar as perspectivas de idéias simples e propostas concretas que podem trazer respostas imediatas às nossas maiores necessidades: emprego, crescimento e desenvolvimento, pelos caminhos simples como os que enunciei neste artigo.


Benjamin Steinbruch, 45, empresário, graduado em administração de empresas e marketing financeiro pela Fundação Getúlio Vargas (SP), é presidente dos conselhos de administração da Companhia Siderúrgica Nacional e da Companhia Vale do Rio Doce. E-mail: bvictoria@psi.com.br

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