São Paulo, Terça-feira, 31 de Agosto de 1999
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LUÍS NASSIF

A polêmica da Merrill Lynch

A agressividade do banco Merrill Lynch no mercado brasileiro tem incomodado a concorrência. O último episódio envolvendo o banco ocorreu no recente vencimento do mercado de índices e tem dado margem a interpretações variadas sobre sua motivação.
Anos atrás, a Bolsa de Valores de São Paulo passou pela turbulenta fase do IGP -Icatu, Garantia e Pactual-, que eram bancos bastante agressivos, especialistas em montar operações entre mercados de índices e à vista. O mercado de índices é operado pela Bolsa Mercantil & Futuros (BM&F), e o mercado à vista, pelas Bolsas de Valores. O futuro de Índice Bovespa (que é negociado na BM&F) se faz em torno de apostas sobre o comportamento do índice -que corresponde à média ponderada das cotações das ações negociadas em pregão na Bovespa.
O que os bancos faziam era montar estratégias simultâneas. No vencimento do futuro, vendiam ou compravam pesadamente ações no mercado à vista, para derrubar ou elevar o Índice Bovespa.
Uma das manipulações mais utilizadas era "picar" o boleto (o documento que serve para registrar a operação). Para evitar que grandes investidores interferissem nas cotações (em um tempo em que o mercado tinha poucos negócios), a Bolsa determinava que a cotação média fosse feita pela média aritmética dos boletos -independentemente do valor da operação.
No último vencimento de índices, a Merrill Lynch passou a atuar pesadamente, "picando" os boletos. A regra da Bolsa diz que quem vende a ação preenche o boleto. Ao perceber a atuação dos operadores, o diretor de pregão ordenou que os boletos passassem a ser preenchidos pelos compradores.
A Bolsa estranhou o movimento dos "boletos" e pediu explicações ao banco. As explicações não convenceram, mas não foi aberto inquérito porque o superintendente da Bovespa, Gilberto Mifano, garante que, seja qual for a intenção, a Merrill Lynch não logrou o intento de manipular as cotações, devido a mudanças na metodologia de cálculo do índice. Antes, o índice era calculado negócio a negócio. Mudou para o cálculo médio do pregão levantado de 30 em 30 segundos.
Três anos atrás, por conta da própria Merrill Lynch -que derrubou o pregão da Bovespa na última meia hora, em operação casada com o mercado de índices-, houve novas modificações. O índice era calculado de acordo com a última meia hora de pregão. Passou para a média das últimas duas horas e meia -justamente o período em que o banco descarregou suas operações "picadas". De acordo com Mifano, essa nova metodologia impediria manipulações.
Mas é evidente que, dependendo da maneira como os boletos "picados" entram no pregão, há influências sobre o preço à vista. E muitas instituições se consideraram prejudicadas pela operação.

Outras polêmicas
Não é a única operação polêmica da Merrill Lynch. Os movimentos de sua mesa nem sempre são claros e há rumores de que operadores estariam atuando por meio de "scalpers" (operadores que operam por conta própria no pregão), especialmente em operações envolvendo ações da Petrobras. Pelo menos três fontes de mercado me confirmaram essa suspeita.
Alexandre Kock, diretor executivo do banco, responsável pela área de mercado de ações, julga que esteja havendo um misto de má compreensão -pelo fato de a corretora atuar com praticamente todos os papéis- com disputa da concorrência. Segundo ele, a ordem de "picar" o boleto vem de clientes. Há clientes internacionais, segundo ele, que dão ordens do tipo investir 25% ou 35% do volume de negócios do dia de determinado papel. Como não é possível saber "a priori" o volume negociado, segundo Kock, a alternativa seria "picar" os boletos e ir vendendo de acordo com o desenrolar do leilão.
Kock descarta a possibilidade de operações de "traders" com ""scalpers". Existe um sistema de monitoramento contínuo de execução de ordens, diz ele. Semanalmente, comparam pedido de ordens de compra e venda, monitoram tempo de execução e analisam se existe algum tipo de concentração em relação à contraparte. Tudo isso para fins de controle interno.
De qualquer modo, não resta dúvida de que a Merrill Lynch se tornou a herdeira da agressividade dos bancos de investimento nacionais, do início da década.


E-mail: lnassif@uol.com.br



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