São Paulo, Domingo, 31 de Outubro de 1999
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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Bug explica a fase de calmaria nos mercados

GILSON SCHWARTZ
da Equipe de Articulistas

Faltam apenas dois meses para o fim de 1999 e, a julgar pelas projeções mais comuns no final do ano passado, esse foi um ano quase milagroso. Para os mercados emergentes, a expectativa de catástrofe e novos ciclos de contágio foi totalmente furada. Isso já não é novidade. A surpresa está no relatório divulgado na semana passada pela OCDE (Financial Market Trends).
Para os especialistas desse organismo, foram as expectativas com os problemas relacionados ao "bug" do ano 2000 que "influenciaram significativamente, e continuarão a influenciar", a formação de preços e a tomada de decisões dos investidores globais.
A OCDE lembra que o período final de cada ano é geralmente caracterizado por movimentos cautelosos. Os investidores preferem ficar mais "líquidos", ou seja, com dinheiro em mãos ou ativos financeiros seguros e de fácil liquidação. A disposição a oferecer empréstimos é menor. A grande maioria das empresas mobiliza seus especialistas em contabilidade e engenharia fiscal para "embelezar" os balanços no final do ano.
Mas, para a OCDE, o medo de problemas decorrentes do "bug" tem exacerbado esses comportamentos, estreitando os mercados e, assim, reduzindo também o espaço para grandes ondas especulativas.
O relatório chama a atenção para três fatores de risco que estariam afetando a formação de preços de ativos financeiros de duração mais longa. Esses fatores atuam diretamente sobre as expectativas dos investidores.
O primeiro é o medo de que o bug do milênio dê início a um novo ciclo de instabilidade macroeconômica. O segundo, mais localizado, é o medo de que alguns mercados se mostrem despreparados para enfrentar o problema dos computadores. Na era da globalização, engasgos localizados podem provocar convulsões em escala planetária. Finalmente, a preferência dos investidores por posições de alta liquidez pode deprimir o preço de vários ativos. Até onde essa deflação de ativos pode chegar é assunto para adivinhos.
Mas é óbvio que nem todo o risco financeiro atual decorre do bug. A OCDE registra a maior cautela dos investidores mesmo nos EUA, onde em tese a expansão da economia dilui todos os temores. Na prática, no entanto, o custo de captação de recursos para as empresas continua mais alto do que era antes da crise russa. A "incerteza percebida" está num nível "relativamente alto".
O outro lado da expansão norte-americana é o excesso de oferta de papéis de empresas (o volume, recorde no terceiro trimestre, chegou a US$ 250 bilhões). Há uma "superabundância".
Para os que continuam animados com os ganhos em Bolsa, o relatório da OCDE vem ilustrado por um gráfico que mostra o índice de volatilidade do mercado acionário (ou seja, as margens de variação das cotações, um indicador de sua instabilidade para cima e para baixo). Entre 1996 e 1999, o índice dobrou e continua acima do nível médio registrado no decorrer da crise asiática.
Outro indicador relevante, ignorado no dia-a-dia das manchetes sobre o Dow Jones, é o aumento do número de operações de recompra ("buy-backs"), fusões e aquisições. Isso empurra os índices para cima, mas a oferta líquida de ações encolheu US$ 185 bilhões em 1998 (os dados da OCDE vão até o primeiro trimestre de 1999, quando o encolhimento foi da ordem de 24%).
Se o bug explica a calmaria e outros indicadores revelam um mercado efusivo, mas frágil, parece que o melhor a fazer é deixar as barbas de molho no começo do século 21.




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