|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Balcão de favores
ALOIZIO MERCADANTE
A pressão estrangeira transformou o governo FHC em um balcão de favorecimentos. É inacreditável e inaceitável o comportamento do BNDES no processo de
privatização da Cesp Tietê.
A empresa americana AES,
vencedora do leilão, vinha sendo
objeto de um litígio com o governo de Minas Gerais em torno da
sua participação na privatização
da Cemig. Dentro da Lei de Sociedade Anônimas e da legislação
vigente, o governo Itamar Franco
rompeu um contrato que considerava lesivo aos interesses do Estado, respeitando plenamente os direitos de propriedade. A embaixada americana, de forma imprópria, se pronunciou publicamente em uma disputa de interesse comercial e de fórum jurídico.
Sem que esse processo estivesse
esgotado, o governo FHC oferece
um novo crédito de R$ 360 milhões para a mesma AES disputar
e levar a Cesp Tietê. Recursos do
FAT, dinheiro do trabalhador,
que deveria ser orientado para investimentos e geração de novos
empregos, favorecem mais uma
vez uma empresa estrangeira, alterando as regras do jogo nas vésperas do leilão e alijando os grupos nacionais que disputavam a
privatização. Sobre esse assunto
recebi a seguinte correspondência: "É lamentável a atitude do
governo brasileiro em subsidiar
empresas estrangeiras; o papel do
BNDES deveria ser o de buscar diminuir as disparidades e permitir
a competição... presenciamos a
morte anunciada do capital nacional, custeada com os recursos
dos trabalhadores... senti-me envergonhado e desonrado em minha cidadania". Assina o vice-presidente da CPFL e diretor eleito da Previ, Arlindo Magno de
Oliveira.
A forte aceleração da entrada
de investimentos diretos, que de
US$ 2 bilhões em 1994 saltou para
US$ 26,5 bilhões em 1998, acumulando um total de US$ 57,3 bilhões no quadriênio, embora contribua para cobrir as necessidades
imediatas de financiamento externo, tem várias implicações relevantes, freqüentemente omitidas no discurso oficial.
Em primeiro lugar, o ingresso
de capitais gerou -e tende a gerar com maior intensidade no futuro- pressões que realimentam
os desequilíbrios nas contas externas (as remessas brutas de lucros
e dividendos, que eram da ordem
de US$ 2,9 bilhões em 1994, atingiram US$ 7,6 bilhões em 1998,
somando US$ 21,5 bilhões e um
crescimento de 165% ao longo do
período 95/98).
Por outro lado, ao contrário do
que ocorreu no passado, quando
a presença do capital estrangeiro
representou nova capacidade
produtiva, o aumento do estoque
de capital estrangeiro reflete basicamente a desnacionalização da
economia. De fato, a entrada de
capitais estrangeiros esteve associada a um intenso e crescente
processo de transferências patrimoniais, na privatização de empresas estatais -em torno a 50%
dos R$ 63 bilhões arrecadados pelo programa de privatização no
quadriênio 1995/98- e nas fusões
e aquisições de empresas nacionais (um total de 1.580 operações
desde janeiro de 1994 até junho de
1999), quando o capital estrangeiro aumentou sua participação de
27,3% em 1994 para 74,1% em
1998.
Note-se, adicionalmente, que a
maior parte desses investimentos
estrangeiros se concentrou em setores de infra-estrutura e serviços,
não-comercializáveis internacionalmente. Consequentemente,
debilita o equilíbrio externo, dado que expande os gastos em divisas (remessas de lucros) sem gerar
aumentos significativos nas receitas de exportação. Só para darmos um exemplo, a Light remeteu
para o exterior na forma de lucros
e dividendos cerca de US$ 650 milhões no primeiro ano após a privatização.
A insistência do atual governo
na política de dependência e subordinação ao capital financeiro,
plasmada no acordo com o FMI,
tende a aprofundar esse processo
de desnacionalização no futuro,
pelo menos por três razões: 1) a
desvalorização do real tornou
"atrativos" os preços das empresas brasileiras, postas contra a parede pelas altas taxas de juros e
pelo "ajuste recessivo" atualmente em curso; 2) os grandes grupos
privados nacionais estão com
passivos em dólar e vulnerabilizados, o que deverá representar
uma nova rodada de desnacionalização; e 3) a revisão do acordo
com o Fundo prevê explicitamente, que "o governo exercerá com
determinação" sua política de redução do papel dos bancos públicos na economia e que acelerará e
ampliará "o escopo do programa
de privatização" (itens 18 e 27 do
Memorando de Política Econômica de 08/03/1999).
Os dados disponíveis revelam
também que a perda de soberania e o aumento da dependência
não se traduziram numa aceleração do crescimento econômico do
país. Entre 1994 e 1998, o fluxo de
investimentos diretos estrangeiros aumentou espetacularmente,
passando de US$ 2,2 bilhões para
US$ 26,5 bilhões, um crescimento
de 1.104,5% (no mesmo período, o
crescimento acumulado do PIB
real foi de apenas 11,4%).
Por último, num contexto de
fragilização e vulnerabilização
da economia e de debilitamento
financeiro e institucional do Estado, o aumento da presença do capital estrangeiro em setores líderes ou estratégicos reforça a segmentação da economia e a verticalização da produção à escala
internacional, aumentando o peso das decisões das empresas multinacionais na orientação dos investimentos e da produção, nem
sempre compatíveis com o estabelecimento de prioridades que respondam aos interesses nacionais
e às necessidade da população
brasileira. E tudo isso com o dinheiro do trabalhador, no
BNDES, o grande bazar de favorecimentos do governo FHC.
Aloizio Mercadante Oliva, 45, economista,
professor universitário na PUC e Unicamp,
foi candidato a vice-presidente da República
com Lula, é deputado federal, vice-presidente nacional do PT e presidente da Comissão
de Economia, Indústria e Comércio do PT.
Internet: www.mercadante.com.br
ou e-mail mercadante@mercadante.com.br
Texto Anterior: Opinião Econômica - Rubens Ricupero: Uma vitória contra o imperialismo Próximo Texto: Tendências Internacionais: Bug explica a fase de calmaria nos mercados Índice
|