São Paulo, Domingo, 31 de Outubro de 1999
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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Balcão de favores

ALOIZIO MERCADANTE
A pressão estrangeira transformou o governo FHC em um balcão de favorecimentos. É inacreditável e inaceitável o comportamento do BNDES no processo de privatização da Cesp Tietê.
A empresa americana AES, vencedora do leilão, vinha sendo objeto de um litígio com o governo de Minas Gerais em torno da sua participação na privatização da Cemig. Dentro da Lei de Sociedade Anônimas e da legislação vigente, o governo Itamar Franco rompeu um contrato que considerava lesivo aos interesses do Estado, respeitando plenamente os direitos de propriedade. A embaixada americana, de forma imprópria, se pronunciou publicamente em uma disputa de interesse comercial e de fórum jurídico.
Sem que esse processo estivesse esgotado, o governo FHC oferece um novo crédito de R$ 360 milhões para a mesma AES disputar e levar a Cesp Tietê. Recursos do FAT, dinheiro do trabalhador, que deveria ser orientado para investimentos e geração de novos empregos, favorecem mais uma vez uma empresa estrangeira, alterando as regras do jogo nas vésperas do leilão e alijando os grupos nacionais que disputavam a privatização. Sobre esse assunto recebi a seguinte correspondência: "É lamentável a atitude do governo brasileiro em subsidiar empresas estrangeiras; o papel do BNDES deveria ser o de buscar diminuir as disparidades e permitir a competição... presenciamos a morte anunciada do capital nacional, custeada com os recursos dos trabalhadores... senti-me envergonhado e desonrado em minha cidadania". Assina o vice-presidente da CPFL e diretor eleito da Previ, Arlindo Magno de Oliveira.
A forte aceleração da entrada de investimentos diretos, que de US$ 2 bilhões em 1994 saltou para US$ 26,5 bilhões em 1998, acumulando um total de US$ 57,3 bilhões no quadriênio, embora contribua para cobrir as necessidades imediatas de financiamento externo, tem várias implicações relevantes, freqüentemente omitidas no discurso oficial.
Em primeiro lugar, o ingresso de capitais gerou -e tende a gerar com maior intensidade no futuro- pressões que realimentam os desequilíbrios nas contas externas (as remessas brutas de lucros e dividendos, que eram da ordem de US$ 2,9 bilhões em 1994, atingiram US$ 7,6 bilhões em 1998, somando US$ 21,5 bilhões e um crescimento de 165% ao longo do período 95/98).
Por outro lado, ao contrário do que ocorreu no passado, quando a presença do capital estrangeiro representou nova capacidade produtiva, o aumento do estoque de capital estrangeiro reflete basicamente a desnacionalização da economia. De fato, a entrada de capitais estrangeiros esteve associada a um intenso e crescente processo de transferências patrimoniais, na privatização de empresas estatais -em torno a 50% dos R$ 63 bilhões arrecadados pelo programa de privatização no quadriênio 1995/98- e nas fusões e aquisições de empresas nacionais (um total de 1.580 operações desde janeiro de 1994 até junho de 1999), quando o capital estrangeiro aumentou sua participação de 27,3% em 1994 para 74,1% em 1998.
Note-se, adicionalmente, que a maior parte desses investimentos estrangeiros se concentrou em setores de infra-estrutura e serviços, não-comercializáveis internacionalmente. Consequentemente, debilita o equilíbrio externo, dado que expande os gastos em divisas (remessas de lucros) sem gerar aumentos significativos nas receitas de exportação. Só para darmos um exemplo, a Light remeteu para o exterior na forma de lucros e dividendos cerca de US$ 650 milhões no primeiro ano após a privatização.
A insistência do atual governo na política de dependência e subordinação ao capital financeiro, plasmada no acordo com o FMI, tende a aprofundar esse processo de desnacionalização no futuro, pelo menos por três razões: 1) a desvalorização do real tornou "atrativos" os preços das empresas brasileiras, postas contra a parede pelas altas taxas de juros e pelo "ajuste recessivo" atualmente em curso; 2) os grandes grupos privados nacionais estão com passivos em dólar e vulnerabilizados, o que deverá representar uma nova rodada de desnacionalização; e 3) a revisão do acordo com o Fundo prevê explicitamente, que "o governo exercerá com determinação" sua política de redução do papel dos bancos públicos na economia e que acelerará e ampliará "o escopo do programa de privatização" (itens 18 e 27 do Memorando de Política Econômica de 08/03/1999).
Os dados disponíveis revelam também que a perda de soberania e o aumento da dependência não se traduziram numa aceleração do crescimento econômico do país. Entre 1994 e 1998, o fluxo de investimentos diretos estrangeiros aumentou espetacularmente, passando de US$ 2,2 bilhões para US$ 26,5 bilhões, um crescimento de 1.104,5% (no mesmo período, o crescimento acumulado do PIB real foi de apenas 11,4%).
Por último, num contexto de fragilização e vulnerabilização da economia e de debilitamento financeiro e institucional do Estado, o aumento da presença do capital estrangeiro em setores líderes ou estratégicos reforça a segmentação da economia e a verticalização da produção à escala internacional, aumentando o peso das decisões das empresas multinacionais na orientação dos investimentos e da produção, nem sempre compatíveis com o estabelecimento de prioridades que respondam aos interesses nacionais e às necessidade da população brasileira. E tudo isso com o dinheiro do trabalhador, no BNDES, o grande bazar de favorecimentos do governo FHC.


Aloizio Mercadante Oliva, 45, economista, professor universitário na PUC e Unicamp, foi candidato a vice-presidente da República com Lula, é deputado federal, vice-presidente nacional do PT e presidente da Comissão de Economia, Indústria e Comércio do PT.
Internet: www.mercadante.com.br
ou e-mail mercadante@mercadante.com.br




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