São Paulo, terça-feira, 31 de dezembro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Mãos à obra, presidente

BENJAMIN STEINBRUCH

Houve um momento, em meados deste ano, em que caiu a ficha da sociedade brasileira: Lula, que havia perdido três eleições seguidas, desta vez tinha chances concretas de chegar à Presidência da República.
Foi um momento de enorme tensão. Concorrentes que pressentiam a derrota tentaram então assustar o país com previsões de que a vitória de Lula transformaria o Brasil numa Argentina. E o mercado financeiro entrou em turbulência.
A atitude e os compromissos publicamente assumidos por Lula naquela hora de tensão provavelmente lhe garantiram a eleição. Em dois documentos -"Carta ao Povo Brasileiro" e "Compromisso com Soberania, Emprego e Segurança do Povo Brasileiro"- ele prometeu respeitar contratos e fazer uma transição responsável para um modelo de crescimento econômico e geração de empregos.
Depois de eleito, Lula cativou e tranquilizou o país. Mostrou carisma, maturidade, moderação, paciência, tolerância e humildade. Para sorte dos brasileiros, é esse o Lula, e não o radical do passado, que receberá amanhã a faixa presidencial.
Antes de assumir, o presidente eleito deveria reler os dois documentos que assinou em meados do ano para não esquecer, em nenhum momento de seu governo, os compromissos ali firmados.
Lula prometeu trabalhar, desde o primeiro dia de governo, para remover obstáculos que impedem o crescimento da economia, sem descuidar do combate à inflação. Disse que o Brasil precisa de 5% de expansão anual do PIB e 10 milhões de novos postos de trabalho e sugeriu a superação da perigosa combinação de dependência do capital especulativo externo, juros altos e baixo crescimento. Ele se propôs a atuar para diminuir essa dependência, baixar juros, realizar um vigoroso esforço exportador, alargar o mercado interno e investir em infra-estrutura e nos setores de ponta.
Naqueles documentos, o então candidato Lula garantiu que aplicaria recursos na construção civil para moradias, porque esse setor pode absorver mão-de-obra rapidamente e sem exercer pressões significativas sobre a balança comercial. Prepôs-se a apoiar de modo vigoroso as pequenas e médias empresas, também grandes empregadoras, além das cooperativas de crédito, consumo e produção.
Lula pôs no papel também a promessa de promover, por meio de negociação social, cinco reformas básicas: tributária, previdenciária, agrária, trabalhista e política. Estabeleceu absoluta prioridade à reforma tributária, para banir o caráter regressivo e cumulativo dos impostos, "fardo insuportável para o setor produtivo e para a exportação brasileira". Prometeu também reorientar a política externa para promover nossos interesses comerciais e remover obstáculos impostos pelos países mais ricos às nações em desenvolvimento.
Comprometeu-se a combater a fome, que atinge 22 milhões de pessoas, e a pobreza, que aflige 53 milhões de brasileiros, ou 34% da população. Para isso, além do programa já batizado de Fome Zero, anunciou seu propósito de elevar gradualmente o salário mínimo, com o objetivo de dobrá-lo em quatro anos de governo. Prometeu ainda investir fortemente em educação e saúde, sem desconsiderar o papel da iniciativa privada.
Melhor do que qualquer outro brasileiro, pela sua origem operária e nordestina, Lula conhece os problemas básicos do povo brasileiro. Ao assumir amanhã a Presidência, ele deve estar consciente de que foram esses compromissos que o elegeram. Se os abandonar, não decepcionará apenas seus 52 milhões de eleitores. Frustrará todo o Brasil.
Não é fácil a missão do novo presidente. A economia brasileira, estabilizada com competência pelo governo FHC, tem inúmeros problemas, entre eles o alto endividamento dos setores público e privado, que podem impedir qualquer tentativa de promover um crescimento rápido da produção. Não se pode esperar, portanto, nenhuma solução milagrosa para acabar com as demandas sociais. Mas também é verdade que a economia brasileira tem inúmeras potencialidades, entre elas um parque industrial dinâmico, para responder aos desafios dessa etapa de desenvolvimento.
A vantagem de Lula é que ele traz de volta a ousadia que faltou nos últimos anos. O governo FHC nunca teve apetite para desenvolvimento. Acomodou-se nos planos de estabilização monitorados pelo FMI e jogou sempre na defesa. Lula, ao contrário, tende a dialogar com a sociedade em busca de solução para os problemas sociais e para o encaminhamento das reformas que o próprio FHC considerava inadiáveis. É claro que Lula, se mantiver sua posição de diálogo, poderá contar com a solidariedade e a compreensão do país para realizar sua missão sem atropelos. O Brasil sabe, como costuma dizer o presidente eleito, que não se poderá fazer em oito dias o que não foi feito em oito anos.
O filósofo chinês Lao-Tsé dizia, há 2.600 anos, que uma longa caminhada começa com um único passo. Qualquer trabalho, por maior que seja, exige um pequeno movimento inicial. Pé na estrada e mãos à obra, presidente! E que Deus o abençoe!


Benjamin Steinbruch, 49, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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