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OPINIÃO ECONÔMICA
Mãos à obra, presidente
BENJAMIN STEINBRUCH
Houve um momento, em
meados deste ano, em que
caiu a ficha da sociedade brasileira: Lula, que havia perdido três
eleições seguidas, desta vez tinha
chances concretas de chegar à
Presidência da República.
Foi um momento de enorme
tensão. Concorrentes que pressentiam a derrota tentaram então
assustar o país com previsões de
que a vitória de Lula transformaria o Brasil numa Argentina. E o
mercado financeiro entrou em
turbulência.
A atitude e os compromissos publicamente assumidos por Lula
naquela hora de tensão provavelmente lhe garantiram a eleição.
Em dois documentos -"Carta ao
Povo Brasileiro" e "Compromisso
com Soberania, Emprego e Segurança do Povo Brasileiro"- ele
prometeu respeitar contratos e fazer uma transição responsável
para um modelo de crescimento
econômico e geração de empregos.
Depois de eleito, Lula cativou e
tranquilizou o país. Mostrou carisma, maturidade, moderação,
paciência, tolerância e humildade. Para sorte dos brasileiros, é esse o Lula, e não o radical do passado, que receberá amanhã a faixa presidencial.
Antes de assumir, o presidente
eleito deveria reler os dois documentos que assinou em meados
do ano para não esquecer, em nenhum momento de seu governo,
os compromissos ali firmados.
Lula prometeu trabalhar, desde
o primeiro dia de governo, para
remover obstáculos que impedem
o crescimento da economia, sem
descuidar do combate à inflação.
Disse que o Brasil precisa de 5%
de expansão anual do PIB e 10
milhões de novos postos de trabalho e sugeriu a superação da perigosa combinação de dependência
do capital especulativo externo,
juros altos e baixo crescimento.
Ele se propôs a atuar para diminuir essa dependência, baixar juros, realizar um vigoroso esforço
exportador, alargar o mercado
interno e investir em infra-estrutura e nos setores de ponta.
Naqueles documentos, o então
candidato Lula garantiu que
aplicaria recursos na construção
civil para moradias, porque esse
setor pode absorver mão-de-obra
rapidamente e sem exercer pressões significativas sobre a balança
comercial. Prepôs-se a apoiar de
modo vigoroso as pequenas e médias empresas, também grandes
empregadoras, além das cooperativas de crédito, consumo e produção.
Lula pôs no papel também a
promessa de promover, por meio
de negociação social, cinco reformas básicas: tributária, previdenciária, agrária, trabalhista e política. Estabeleceu absoluta prioridade à reforma tributária, para
banir o caráter regressivo e cumulativo dos impostos, "fardo insuportável para o setor produtivo e
para a exportação brasileira".
Prometeu também reorientar a
política externa para promover
nossos interesses comerciais e remover obstáculos impostos pelos
países mais ricos às nações em desenvolvimento.
Comprometeu-se a combater a
fome, que atinge 22 milhões de
pessoas, e a pobreza, que aflige 53
milhões de brasileiros, ou 34% da
população. Para isso, além do
programa já batizado de Fome
Zero, anunciou seu propósito de
elevar gradualmente o salário
mínimo, com o objetivo de dobrá-lo em quatro anos de governo.
Prometeu ainda investir fortemente em educação e saúde, sem
desconsiderar o papel da iniciativa privada.
Melhor do que qualquer outro
brasileiro, pela sua origem operária e nordestina, Lula conhece os
problemas básicos do povo brasileiro. Ao assumir amanhã a Presidência, ele deve estar consciente
de que foram esses compromissos
que o elegeram. Se os abandonar,
não decepcionará apenas seus 52
milhões de eleitores. Frustrará todo o Brasil.
Não é fácil a missão do novo
presidente. A economia brasileira, estabilizada com competência
pelo governo FHC, tem inúmeros
problemas, entre eles o alto endividamento dos setores público e
privado, que podem impedir
qualquer tentativa de promover
um crescimento rápido da produção. Não se pode esperar, portanto, nenhuma solução milagrosa
para acabar com as demandas
sociais. Mas também é verdade
que a economia brasileira tem
inúmeras potencialidades, entre
elas um parque industrial dinâmico, para responder aos desafios
dessa etapa de desenvolvimento.
A vantagem de Lula é que ele
traz de volta a ousadia que faltou
nos últimos anos. O governo FHC
nunca teve apetite para desenvolvimento. Acomodou-se nos planos de estabilização monitorados
pelo FMI e jogou sempre na defesa. Lula, ao contrário, tende a
dialogar com a sociedade em busca de solução para os problemas
sociais e para o encaminhamento
das reformas que o próprio FHC
considerava inadiáveis. É claro
que Lula, se mantiver sua posição
de diálogo, poderá contar com a
solidariedade e a compreensão do
país para realizar sua missão sem
atropelos. O Brasil sabe, como
costuma dizer o presidente eleito,
que não se poderá fazer em oito
dias o que não foi feito em oito
anos.
O filósofo chinês Lao-Tsé dizia,
há 2.600 anos, que uma longa caminhada começa com um único
passo. Qualquer trabalho, por
maior que seja, exige um pequeno
movimento inicial. Pé na estrada
e mãos à obra, presidente! E que
Deus o abençoe!
Benjamin Steinbruch, 49, empresário,
é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
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