São Paulo, segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

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País não aceita "migalhas" em acordo no FMI, diz Nogueira Batista

Criticado por sua atuação no Fundo e pelo estilo tido como "abrasivo", economista diz que, para haver mudanças no organismo, países têm que fazer pressão

Lula Marques - 28.fev.07/Folha Imagem
Paulo Nogueira Batista Jr., diretor de Brasil e 8 países no FMI


SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Paulo Nogueira Batista Jr. está sob fogo cruzado. O diretor do Brasil e de outros oito países no Fundo Monetário Internacional (FMI), há sete meses no cargo, tem sido chamado por algumas pessoas de "abrasivo", "difícil" e "inconveniente", e a eficácia de sua atuação como negociador, questionada.
O alvo é particularmente a negociação sobre o sistema e as cotas de participação dos países no FMI, que passa por revisão e está sendo discutido no âmbito do G20 financeiro. O grupo de dez países desenvolvidos e dez países em desenvolvimento, atualmente sob presidência da África do Sul, trata de temas da ajuda financeira.
As críticas, feitas por pessoas que preferiram não ser identificadas, foram publicadas nos diários "O Estado de S. Paulo" e "Valor Econômico" e confirmadas depois à Folha. No último dia 22, o economista e colunista do caderno Dinheiro falou ao jornal por telefone, de São Paulo, onde descansava:  

FOLHA - A Folha ouviu que os sul-africanos se sentiram traídos por sua posição quanto à reforma do sistema de cotas. PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. - Foi feita uma tentativa de fazer vingar uma proposta que seria uma não-reforma, uma mudança muito marginal na estrutura de votos. Os países em desenvolvimento subiriam de 40% para 41,5%. A participação do Brasil aumentaria de 1,4% para 1,5%.
Naturalmente, essa sugestão, coordenada pela África do Sul e que contava com muita simpatia dos países desenvolvidos, seria uma forma de pegar o tema e encerrá-lo com uma não-solução, com a manutenção do status quo. Mas o Brasil não concordou.
O país vem lutando há cerca de dez anos para que haja uma mudança significativa na distribuição de votos. Seria um fiasco aceitarmos uma solução que propõe uma mudança tão marginal. Criou-se uma expectativa falsa de que o Brasil aceitaria essa não-solução. Então, quando demos a mensagem de que o país não aceitaria migalhas, isso causou uma certa frustração de expectativas.

FOLHA - Essa posição é sua ou do governo brasileiro?
NOGUEIRA BATISTA
- É uma posição do governo brasileiro, defendida desde muito antes de eu chegar ao FMI. A África do Sul, portanto, não tem por que se sentir traída, o Brasil apenas não concordou com a abordagem que os representantes daquele país no G20 imaginavam adequada.
Aliás, não foi só o Brasil. Houve uma reunião do G20 em Washington em que vários países em desenvolvimento fizeram críticas à proposta, que tinha apoio dos europeus, da Austrália, dos japoneses, dos americanos.
Mas Argentina, Rússia, Indonésia, Turquia, México e o próprio Brasil eram muito críticos, portanto não existiu consenso, e a proposta naufragou. Ficou claro que o Brasil e vários países em desenvolvimento não aceitam migalhas.

FOLHA - O sr. acredita que a bateria de ataques recentes da qual foi alvo pode ser represália pelos defensores da proposta?
NOGUEIRA BATISTA
- Essa proposta coordenada pela África do Sul, por ser modesta, contava com muita simpatia dos países desenvolvidos, então pode ter havido uma frustração dos representantes desses países no G20 pelo fato de eles não terem conseguido emplacar essa não-solução.
Mas é difícil saber a quem atribuir essas declarações, porque são sempre dadas "off the record" e protegidas pelo anonimato.

FOLHA - O sr. mencionou que defendia a posição do governo brasileiro. Mas publicou-se que o sr. e o secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Luiz Eduardo Melin, brigaram e não se falam mais. O sr. confirma?
NOGUEIRA BATISTA
- Eu não gostaria de fazer comentários sobre questões internas do governo. Acho que não cabe a mim falar sobre divergências dentro do governo.

FOLHA - E sobre a reunião em outubro de Guido Mantega com Dominique Strauss-Kahn, em que o sr. teria interrompido o diálogo entre os dois e dito que as condições que o diretor-gerente do FMI propunha ao ministro da Fazenda brasileiro eram inaceitáveis?
NOGUEIRA BATISTA
- Esse eu comento, porque não tem a menor base. Foi uma reunião muito cordial, houve divergências entre o novo diretor do Fundo e o ministro brasileiro em alguns pontos, mas nada de extraordinário, discutidas entre a equipe do Fundo e a nossa equipe, sobre a questão das cotas, nada de excepcional.
Eu tenho relações cordiais com o Dominique. Nem sempre ele concorda comigo, nem sempre eu concordo com ele, mas isso faz parte. Quando há uma reunião desse tipo, quem dialoga em primeiro lugar é o ministro com o diretor. Os demais podem contribuir.

FOLHA - Comentou-se que o sr. teria dado esperanças vãs a colegas diretores do Fundo quanto ao apoio do governo brasileiro à candidatura do tcheco Josef Tosovsky e que o sr. soube apenas pelos jornais da declaração de apoio do presidente Lula a Strauss-Kahn.
NOGUEIRA BATISTA
- Nada disso tem fundamento. Na verdade, a posição que o governo brasileiro definiu desde o início é que o país aguardaria o diálogo com os dois candidatos para definir a sua posição.
O Brasil em nenhum momento afirmou que apoiaria o candidato tcheco. Embora a nossa posição e a minha pessoal sobre o candidato tcheco sejam muito positivas, de uma pessoa altamente qualificada, a conclusão a que se chegou era a de que o Dominique estava mais próximo da posição adequada para o Fundo.

FOLHA - Como responde a críticas de que atrapalha o andamento de reuniões, que tem estilo abrasivo?
NOGUEIRA BATISTA
- Estou lá há sete meses e nunca atrapalhei o andamento de nenhuma reunião. Tenho uma relação de cordialidade com os outros 23 diretores. Há divergências, há discussões, claro, algumas discussões são acirradas, mas tudo dentro de um clima de cordialidade e respeito recíproco, diplomático.
Passamos por várias questões difíceis nesse período, e nunca se fugiu disso. Tenho gosto pela polêmica, mas é um gosto que vários outros diretores também têm. Cada um quer defender o seu país, e essas polêmicas mantêm viva a instituição. E é uma instituição que está viva e se movendo na direção da mudança.

FOLHA - Mas esse gosto pela polêmica é produtivo? Outra crítica feita é que em termos práticos o senhor não acrescentou nada ao trabalho que já vinha sido desenvolvido.
NOGUEIRA BATISTA
- Os meus antecessores lá no FMI foram pessoas de nível muito bom, se eu acrescentei alguma coisa, não cabe a mim julgar. Estou procurando fazer o que eles iam fazendo, que é defender o Brasil e mais os oito países lá do nosso grupo.
Será que um estilo polêmico atrapalha? Acho que não, porque a polêmica levada com respeito e diplomacia só ajuda, porque o que você tem nessas instituições é uma grande inércia. Para que haja uma mudança, tem de haver pressão, os países interessados na mudança têm de fazer pressão. E um dos instrumentos é a argumentação, a tentativa de persuadir, a polêmica.
Então creio que não atrapalhe, não. Em todo esse período que estive lá, todas as polêmicas foram tratadas em um nível muito alto, espero que continue sendo assim.


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