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País não aceita "migalhas" em acordo no FMI, diz Nogueira Batista
Criticado por sua atuação no Fundo e pelo estilo tido como "abrasivo", economista diz que, para haver mudanças no organismo, países têm que fazer pressão
Lula Marques - 28.fev.07/Folha Imagem
| Paulo Nogueira Batista Jr., diretor de Brasil e 8 países no FMI |
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
Paulo Nogueira Batista Jr.
está sob fogo cruzado. O diretor
do Brasil e de outros oito países
no Fundo Monetário Internacional (FMI), há sete meses no
cargo, tem sido chamado por
algumas pessoas de "abrasivo",
"difícil" e "inconveniente", e a
eficácia de sua atuação como
negociador, questionada.
O alvo é particularmente a
negociação sobre o sistema e as
cotas de participação dos países
no FMI, que passa por revisão e
está sendo discutido no âmbito
do G20 financeiro. O grupo de
dez países desenvolvidos e dez
países em desenvolvimento,
atualmente sob presidência da
África do Sul, trata de temas da
ajuda financeira.
As críticas, feitas por pessoas
que preferiram não ser identificadas, foram publicadas nos
diários "O Estado de S. Paulo" e
"Valor Econômico" e confirmadas depois à Folha. No último
dia 22, o economista e colunista do caderno Dinheiro falou
ao jornal por telefone, de São
Paulo, onde descansava:
FOLHA - A Folha ouviu que os sul-africanos se sentiram traídos por
sua posição quanto à reforma do sistema de cotas.
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. - Foi
feita uma tentativa de fazer
vingar uma proposta que seria
uma não-reforma, uma mudança muito marginal na estrutura de votos. Os países em desenvolvimento subiriam de 40% para 41,5%. A participação
do Brasil aumentaria de 1,4%
para 1,5%.
Naturalmente, essa sugestão,
coordenada pela África do Sul e
que contava com muita simpatia dos países desenvolvidos,
seria uma forma de pegar o tema e encerrá-lo com uma não-solução, com a manutenção do
status quo.
Mas o Brasil não concordou.
O país vem lutando há cerca de
dez anos para que haja uma
mudança significativa na distribuição de votos. Seria um
fiasco aceitarmos uma solução
que propõe uma mudança tão
marginal. Criou-se uma expectativa falsa de que o Brasil aceitaria essa não-solução. Então,
quando demos a mensagem de
que o país não aceitaria migalhas, isso causou uma certa
frustração de expectativas.
FOLHA - Essa posição é sua ou do
governo brasileiro?
NOGUEIRA BATISTA - É uma posição do governo brasileiro, defendida desde muito antes de
eu chegar ao FMI. A África do
Sul, portanto, não tem por que
se sentir traída, o Brasil apenas
não concordou com a abordagem que os representantes daquele país no G20 imaginavam
adequada.
Aliás, não foi só o Brasil.
Houve uma reunião do G20 em
Washington em que vários países em desenvolvimento fizeram críticas à proposta, que tinha apoio dos europeus, da Austrália, dos japoneses, dos
americanos.
Mas Argentina, Rússia, Indonésia, Turquia, México e o próprio Brasil eram muito críticos,
portanto não existiu consenso,
e a proposta naufragou. Ficou
claro que o Brasil e vários países em desenvolvimento não
aceitam migalhas.
FOLHA - O sr. acredita que a bateria
de ataques recentes da qual foi alvo
pode ser represália pelos defensores
da proposta?
NOGUEIRA BATISTA - Essa proposta coordenada pela África do
Sul, por ser modesta, contava
com muita simpatia dos países
desenvolvidos, então pode ter
havido uma frustração dos representantes desses países no
G20 pelo fato de eles não terem
conseguido emplacar essa não-solução.
Mas é difícil saber a quem
atribuir essas declarações, porque são sempre dadas "off the
record" e protegidas pelo anonimato.
FOLHA - O sr. mencionou que defendia a posição do governo brasileiro. Mas publicou-se que o sr. e o secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Luiz
Eduardo Melin, brigaram e não se
falam mais. O sr. confirma?
NOGUEIRA BATISTA - Eu não gostaria de fazer comentários sobre questões internas do governo. Acho que não cabe a mim falar sobre divergências dentro
do governo.
FOLHA - E sobre a reunião em outubro de Guido Mantega com Dominique Strauss-Kahn, em que o sr. teria interrompido o diálogo entre os dois
e dito que as condições que o diretor-gerente do FMI propunha ao ministro da Fazenda brasileiro eram
inaceitáveis?
NOGUEIRA BATISTA - Esse eu comento, porque não tem a menor base. Foi uma reunião muito cordial, houve divergências entre o novo diretor do Fundo e
o ministro brasileiro em alguns
pontos, mas nada de extraordinário, discutidas entre a equipe
do Fundo e a nossa equipe, sobre a questão das cotas, nada de
excepcional.
Eu tenho relações cordiais
com o Dominique. Nem sempre ele concorda comigo, nem
sempre eu concordo com ele,
mas isso faz parte. Quando há
uma reunião desse tipo, quem
dialoga em primeiro lugar é o
ministro com o diretor. Os demais podem contribuir.
FOLHA - Comentou-se que o sr. teria dado esperanças vãs a colegas diretores do Fundo quanto ao apoio do governo brasileiro à candidatura
do tcheco Josef Tosovsky e que o sr.
soube apenas pelos jornais da declaração de apoio do presidente Lula a
Strauss-Kahn.
NOGUEIRA BATISTA - Nada disso
tem fundamento. Na verdade, a
posição que o governo brasileiro definiu desde o início é que o
país aguardaria o diálogo com
os dois candidatos para definir
a sua posição.
O Brasil em nenhum momento afirmou que apoiaria o
candidato tcheco. Embora a
nossa posição e a minha pessoal sobre o candidato tcheco
sejam muito positivas, de uma
pessoa altamente qualificada, a
conclusão a que se chegou era a
de que o Dominique estava
mais próximo da posição adequada para o Fundo.
FOLHA - Como responde a críticas
de que atrapalha o andamento de
reuniões, que tem estilo abrasivo?
NOGUEIRA BATISTA - Estou lá há
sete meses e nunca atrapalhei o
andamento de nenhuma reunião. Tenho uma relação de
cordialidade com os outros 23
diretores. Há divergências, há
discussões, claro, algumas discussões são acirradas, mas tudo
dentro de um clima de cordialidade e respeito recíproco, diplomático.
Passamos por várias questões difíceis nesse período, e
nunca se fugiu disso. Tenho
gosto pela polêmica, mas é um
gosto que vários outros diretores também têm. Cada um quer
defender o seu país, e essas polêmicas mantêm viva a instituição. E é uma instituição que está viva e se movendo na direção
da mudança.
FOLHA - Mas esse gosto pela polêmica é produtivo? Outra crítica feita
é que em termos práticos o senhor
não acrescentou nada ao trabalho
que já vinha sido desenvolvido.
NOGUEIRA BATISTA - Os meus antecessores lá no FMI foram
pessoas de nível muito bom, se
eu acrescentei alguma coisa,
não cabe a mim julgar. Estou
procurando fazer o que eles
iam fazendo, que é defender o
Brasil e mais os oito países lá do
nosso grupo.
Será que um estilo polêmico
atrapalha? Acho que não, porque a polêmica levada com respeito e diplomacia só ajuda,
porque o que você tem nessas
instituições é uma grande inércia. Para que haja uma mudança, tem de haver pressão, os
países interessados na mudança têm de fazer pressão. E um
dos instrumentos é a argumentação, a tentativa de persuadir,
a polêmica.
Então creio que não atrapalhe, não. Em todo esse período
que estive lá, todas as polêmicas foram tratadas em um nível
muito alto, espero que continue sendo assim.
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