São Paulo, Domingo, 03 de Outubro de 1999
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Candidatos acusam empresas de usar o recrutamento para obter idéias alheias sem nenhum custo

Cuidado: vaga perigosa

LIGIA BRASLAUSKAS
da Reportagem Local
PAULA LAGO
free-lance para a Folha

Perder a disputa pela vaga já deixou de ser o único risco que o candidato encara quando participa de um processo de seleção. Agora ele está sujeito a também ser "passado para trás" pela companhia em que pretendia atuar.
Profissionais ouvidos pela Folha afirmam que certas empresas estariam usando o recrutamento como forma de conseguir mão-de-obra a custo zero e como fonte de projetos e idéias sem o reconhecimento de direitos autorais.
Como? O método estaria sendo adotado principalmente por empresas de pequeno e médio porte. Os principais alvos das "ciladas" seriam candidatos a estágios e profissionais ainda inexperientes.
A forma usada para conseguir a "presa" é até simples: as empresas oferecem uma vaga de trabalho, um teste para o candidato comprovar suas qualificações profissionais e um desejo de boa sorte.
O novato faz o projeto -às vezes trabalha por vários dias-, mas é dispensado para ficar aguardando o resultado do teste de outros candidatos.
Meses depois, descobre que a vaga não foi preenchida e que a empresa usou sua idéia para ganhar dinheiro.
A "técnica" seria mais usada em áreas como publicidade, arquitetura e design.
"Cansei de ver o dono da agência onde eu trabalhava abrir uma vaga de estágio apenas para conseguir uma boa idéia sem pagar pelo serviço", afirma A.C.N., 28, publicitário e designer. Ele -assim como outros entrevistados- não quer ser identificado porque diz temer possíveis retaliações de empresas do ramo em que atua.

Fonte de idéias
A publicitária L.S., 25, que elaborou um projeto-teste para um emprego, só soube que sua idéia era mesmo boa quando descobriu que um de seus trabalhos havia concorrido a um prêmio internacional de propaganda.
"Fiquei sabendo quando o dono de uma agência onde fui procurar emprego olhou o meu portfólio (pasta com principais projetos) e comentou que conhecia um dos trabalhos e que ele havia concorrido a um prêmio no exterior. Quase caí para trás."
A roteirista O.P., 30, diz que no início de sua carreira perdeu um roteiro de uma peça de teatro para uma diretora "por ter sido ingênua e acreditado nas boas intenções dela".
"Ela me prometeu um estágio na montagem da peça e disse que eu tinha muito talento. Só que jamais participei de nada e até hoje não recuperei a minha história."
O.P. diz que, neste ano, já como profissional, passou por uma situação semelhante. "A sorte é que, dessa vez, eu já havia registrado a obra e não corro o risco de perdê-la. Mas, ainda assim, o diretor não devolveu o roteiro até agora", comenta.
O arquiteto Luiz Paulo Andrade Silva, 25, vai ainda além. Segundo ele, essa "tradição" de usar idéias alheias já começa nas próprias faculdades.
Ele conta que, quando estudava, teve de desenvolver projetos para uma loja fictícia de CDs de um shopping. "Isso foi pedido para a classe como trabalho, então todos fizeram", afirma.
A surpresa foi descobrir, meses depois, que o mesmo professor trabalhava em um projeto de uma loja de CDs de verdade, só que negociando a idéia comercialmente.
"Não posso dizer que isso foi um roubo de idéias ou somente uma coincidência, mas tinha muita informação boa na fonte onde ele fez a pesquisa", comenta.

Medo
Embora não existam estatísticas sobre a ocorrência desses casos, os sindicatos responsáveis por algumas áreas atestam que "abusos" realmente acontecem.
"O problema é que os estudantes, temendo não conseguir emprego em outras empresas da área, não formulam uma reclamação oficial que possa gerar um processo de punição contra os infratores", diz Dalton Silvano do Amaral, 46, presidente do Sindicato dos Publicitários, dos Agentes de Propaganda e dos Trabalhadores em Empresas de Propaganda do Estado de São Paulo.
Segundo ele, ouvir denúncias dessa natureza não basta para que o sindicato possa tomar as providências cabíveis. "Já chegamos a telefonar para uma ou outra empresa para fazer um alerta sobre abusos praticados, mas sem provas é difícil."
Amaral também conta que as reclamações mais comuns sobre os estágios, principalmente de publicidade, são sobre trabalhos que não estão relacionados com a área de estudo e sobre baixa remuneração. Segundo ele, muitas empresas contratam jovens como estagiários, mas os colocam em serviços administrativos, como tirar xerox.


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