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São Paulo, domingo, 15 de junho de 2003

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PILOTO AUTOMÁTICO
Atendentes de telemarketing e de fast foods e promotores de eventos são vítimas comuns do problema

Trabalho repetitivo "robotiza" funcionário

Fernando Moraes/ Folha Imagem
Cristina Lima (esq.) e Mariângela Interlandi atuam em eventos


PAULA LAGO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

"Para entrar em contato com o setor de vendas, disque 1. Com o departamento de marketing, disque 2. Ou, para falar com um de nossos atendentes, disque 9." Irritado por ter de decorar ramais e de "conversar com máquinas", o interlocutor resolve digitar o 9, atrás de atendimento personalizado. No entanto, parece continuar falando com uma gravação: frases prontas, comportamento-padrão, reação zero.
Essa cena de atendimento eletrônico levanta duas questões do mercado de trabalho de hoje: enquanto muitos temem que, no mundo moderno, as máquinas substituam a mão-de-obra humana, no caminho inverso ocorre a "robotização" dos profissionais.
Os caixas de lojas e supermercados têm sempre de perguntar sobre o tal cartão de fidelidade, o atendente de telemarketing repete à exaustão seus dizeres, os candidatos nas entrevistas de emprego respondem da mesma maneira às perguntas do selecionador.
Até que ponto tantos treinamentos adotados hoje capacitam ou "fabricam funcionários em série"? E a principal pergunta: como se diferenciar no meio desse exército de profissionais "clonados"?
A situação é mais visível entre atendentes de telemarketing, funcionários de fast foods e promotores de eventos. "[O telemarketing] é um setor de trabalho relativamente novo. É habitual operar com grande "taylorização" [sistema que adota métodos e normas visando à maximização do rendimento da mão-de-obra], fixando várias regras", diz o coordenador do laboratório de psicologia do trabalho da UnB (Universidade de Brasília), Wanderley Codo, 52. "Isso ocorria antes com os bancários. Mas, depois que o funcionário domina o ofício, conquista mais independência."

Amadurecimento
Silvana Veronezze Nigri, 38, gerente de call center, tem 18 anos de experiência com centrais de atendimento e diz que o setor mudou para melhor. "A participação do operador [no atendimento] aumentou porque o cliente ficou mais exigente, não quer se sentir mais um. Isso contribui para a melhoria da profissão", avalia.
Mas o crescimento de atividades ligadas ao atendimento ainda enfrenta o problema da baixa satisfação no trabalho. O telemarketing tem rotatividade alta (cerca de um ano e meio), diz a ABT (a associação brasileira do setor).
De acordo com Ana Maria Moreira Monteiro, 42, vice-presidente da entidade, "muitos estão lá porque precisam do salário, dizem abertamente que odeiam o que fazem e, como não se sentem estimulados, agem maquinalmente". "Afinal, como fazer bem algo de que você não gosta?"

Síndrome de telefonista
Enquanto os atendentes de hoje tentam fugir da "robotização", as telefonistas de antigamente sofriam com uma síndrome batizada de "neurose das telefonistas". Especialistas dizem que as semelhanças entre as duas atividades sugerem o risco de problemas psíquicos similares nos atendentes.
A síndrome foi diagnosticada em 1956, na França, e era causada por exigências físicas, cognitivas (relativas à tomada de decisões) e psíquicas excessivas.
"Assim como no caso dos atendentes de telemarketing, elas [as telefonistas] estavam em um ambiente em que teoricamente deveriam se comunicar, mas não havia comunicação", diz Codo, da UnB.
O problema seria a natureza da atividade. "Os teleatendentes têm uma única função, a de responder às chamadas por meio da informática. Isso leva a acréscimo considerável dos esforços de atenção, de precisão e de velocidade, aumentando a atividade cognitiva", afirma Odaléa Novais Freire, psicóloga e autora de tese sobre o serviço de teleatendimento.
As telefonistas avaliadas pelos pesquisadores franceses na época apresentavam crises de choro, fadiga nervosa, modificações de humor e até problemas de sono.
Aquele deslize que muitas pessoas cometem, quando atendem o telefone de casa pensando estarem no trabalho, também foi registrado. "Aguarde um instante", por exemplo, era a frase profissional mais empregada na vida cotidiana das telefonistas francesas.

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