UOL


São Paulo, domingo, 15 de junho de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PILOTO AUTOMÁTICO

Apesar de vital, capacitação mal conduzida "trava" desenvolvimento dos profissionais

Treinamento estrito limita a criatividade

FREE-LANCE PARA A FOLHA

Investir em treinamento e capacitação dos funcionários virou sinônimo de qualidade administrativa. Nas empresas de telemarketing, a máxima não é diferente, e o discurso dos profissionais do setor (sejam terceirizados, sejam operadores, sejam empresas) segue sempre nessa direção.
O que se observa, porém, é que, além de o treinamento não ser a cura de todos os males, ele pode, dependendo de como for dado, "padronizar de maneira excessiva os profissionais e prejudicar a busca por autonomia e individualização do serviço prestado". É o que diz Regina de Souza, 52, diretora de comunicação e eventos da Assertem (Associação Brasileira de Empresas de Serviços Terceirizáveis e de Trabalho Temporário), que dá cursos de reciclagem.
"O treinamento ainda padece de uma concepção de gestão centrada na produtividade. Ele é necessário, mas a forma como a empresa o concebe é inadequada, não se baseia em mecanismos reais, e o efeito acaba sendo inócuo", complementa Mário César Ferreira, 45, professor de ergonomia do Instituto de Psicologia da UnB.
A Softway Contact Center, central de atendimento terceirizado, tenta evitar o problema colocando os novos profissionais, depois de treinados, em um processo de adaptação supervisionada durante 90 dias. "Quando eles conhecem melhor o produto e as empresas, o atendimento fica padronizado, mas não "robotizado'", diz Topázio Silveira Neto, 41, diretor de administração e RH.
Na Atento, que tem em torno de 24 mil atendentes, "há treinamentos específicos para a humanização da voz, que trabalham cordialidade e entonação para que ela não pareça mecânica", diz Cleide Barani, vice-presidente de RH.
O tom de voz tem mesmo grande importância. Segundo a ABT, em um contato telefônico, 83% do impacto se dá pela voz, contra 18% pelo conteúdo trazido.

Flexibilidade
Além de ficar atenta à capacitação, a empresa não pode se esquecer do script, aquela espécie de "cola" com frases e assuntos que o atendente de telemarketing deve abordar. "Script nenhum dá jogo de cintura e conhecimento. Ele é importante como roteiro", observa Silvana Veronezze Nigri, gerente de central de atendimento.
Ficar preso a um texto e repeti-lo dezenas de vezes seguidas, sem a possibilidade de alterar nada, é o risco desse roteiro. Robson Carlos, 23, atualmente desempregado, tem três anos de experiência em telemarketing e afirma que a repetição das frases ocorre mais no início e no fim das ligações.
"Nas saudações existe mesmo a "robotização", mas não durante a conversa, senão bloqueia o desenvolvimento do serviço", afirma.
A experiência de Cristina Franco, 24, também operadora, não foi tão satisfatória. Em uma das empresas em que trabalhou, ela conta que "não havia flexibilidade", e os próprios operadores faziam a busca de clientes potenciais, utilizando a lista telefônica.
"Não tinha liberdade nenhuma, nada podia ser adaptado, e não havia direcionamento de público. A cobrança por cumprir metas era grande, e o resultado foi que muita gente saiu", lembra Franco.
Fazer um script com a participação dos operadores pode dar resultado na motivação da equipe. "Essa abertura é fundamental, pois eles estão na linha de frente com o cliente. Isso evita um problema maior, que são as interpretações erradas", avalia Ana Maria Monteiro, da Associação Brasileira de Telemarketing.

Face a face
O atendimento ao público feito pessoalmente diminui a ocorrência de mecanização, mas não a exclui. Depois de expor o mesmo produto por cinco vezes seguidas, Cristina Une Lima, 21, recepcionista de eventos, conta que a insegurança inicial passou, mas deu lugar ao cansaço. "Fica automático, por mais que a abordagem seja diferente para cada pessoa."
E revela: "Se não recebemos treinamento, às vezes temos de dar uma enrolada mesmo".
A recepcionista Luciana Gion, 19, também reclama do fator capacitação. Ela diz que são poucos os que oferecem treinamento adequado e remuneram por isso. "Já houve caso em que eu não recebi instrução nenhuma sobre o produto e tive de aguentar vendedores do estande reclamando de que não ajudávamos. Não tenho obrigação de saber de tudo."

Texto Anterior: Piloto automático: Trabalho repetitivo "robotiza" funcionário
Próximo Texto: Trabalho temporário: Senado avalia mudanças na contratação
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.