São Paulo, domingo, 19 de março de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

INCLUSÃO DE DEFICIENTES

Setores como segurança e telemarketing defendem adequação da legislação aos perfis de cada atividade

Empregadores pedem revisão das cotas

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Os debates acerca da contratação de deficientes já ultrapassam a problemática do baixo nível de qualificação a que muitos desses profissionais estão sujeitos.
Além da falta de mão-de-obra capacitada, empresários e advogados apontam alguns empecilhos para o cumprimento da Lei de Cotas (8.213/91), que obriga firmas com mais de cem empregados a ter no quadro de funcionários de 2% a 5% de deficientes.
Um deles é a dificuldade de locomoção dos deficientes, agravada pela falta de estrutura pública.
"Há um abismo entre a lei e o que é real. A legislação foi elaborada com base em princípios que não refletem nossa realidade, quando deveria ter sido feita a partir de pesquisas que atestem a verdadeira condição do mercado de trabalho brasileiro", diz o professor de direito do trabalho e advogado Cassio Mesquita Barros.
O setor de segurança é um dos que questionam a aplicabilidade da lei. Segundo o vice-presidente da Sesvesp (Sindicato das Empresas de Segurança Privada de São Paulo) e sócio-diretor da empresa de segurança Pentágono, Victor Saeta de Aguiar, é impraticável para o setor cumprir a legislação, uma vez que "90% dos profissionais da categoria são vigilantes".
"Em nossa área administrativa, não existem vagas suficientes para atender aos percentuais definidos por lei", justifica. Segundo ele, se a lei fosse baseada na prática, seria possível estabelecer cotas diferenciadas, de acordo com ramos de atividade das empresas.
"Há setores que têm um grande número de vagas que podem ser preenchidas por portadores de necessidades especiais e outros ramos que, por exigirem condições específicas, não têm. O ideal é ponderar", defende Aguiar.
O presidente da ABT (Associação Brasileira de Telemarketing), Topázio Silveira Neto, concorda: "Temos condições de contratar um número muito maior do que o estabelecido, mas não encontramos profissionais qualificados".

Adaptação
O discurso dos empregadores é uníssono: é preciso rever determinados tópicos da Lei de Cotas. Hoje, apesar de as empresas empregarem cada vez mais deficientes, poucos setores conseguem cumpri-la integralmente, dizem. Dados da DRT-SP (Delegacia Regional do Trabalho) apontam que cerca de 45% das empresas privadas do Estado de São Paulo ainda não cumprem as cotas.
Mas, até o momento, apenas 251 empresas foram autuadas pelo descumprimento da lei. Segundo a chefe de fiscalização do trabalho do Estado de São Paulo, Lucíola Rodrigues, "faltam funcionários para realizar as fiscalizações".
"Outra dificuldade é a aplicação do conceito de deficiente. Há várias determinações, e cada órgão utiliza uma. O ideal seria definir apenas um conceito, válido para todos", comenta Rodrigues.
Embora reconheça os entraves na lei, na avaliação do governo, não é preciso alterar a legislação. "Há realmente algumas dificuldades na contratação de deficientes, porém o quadro está mudando. Existem hoje várias iniciativas da sociedade civil para alterar essa situação. Acredito que, em breve, todas as firmas estarão cumprindo a lei", afirma Carolina Sanchez, da Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Deficiente, órgão vinculado à Secretaria Especial dos Direitos Humanos, da Presidência da República.

Capacitação
De um lado, firmas pressionadas pela legislação; do outro, deficientes batalhando à procura de emprego. Em uma situação ideal, o desenrolar da história resultaria em personagens felizes.
Porém predomina o cenário de vagas abertas e deficientes desempregados. Para diminuir essa lacuna, organizações não-governamentais e empresas fazem as vezes de instituições de ensino.
O gerente de mercado de trabalho do IBDD (Instituto Brasileiro de Defesa dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência), Capdeville Werneck, admite que é difícil encontrar um número alto de profissionais qualificados em determinadas áreas. "Temos mais vagas que pessoas treinadas."
A instituição conta com cursos regulares e gratuitos de capacitação profissional. Além das entidades, algumas firmas, em vez de reclamarem da falta de profissionais treinados, também tomaram a iniciativa de oferecer formação gratuita. "A sociedade inibe o desenvolvimento acadêmico do deficiente. Por isso treinamos antes de contratar", afirma o diretor da Dedic, Valmir Marcatto.
(FRANCINE DE LORENZO)


Texto Anterior: Introversão é mal-entendida, diz autora
Próximo Texto: Empresas e ONGs montam cursos de capacitação profissional
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.