São Paulo, domingo, 23 de maio de 2004

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ASSUNTO DE FAMÍLIA

Dificuldade de contar a verdade em casa é ainda maior entre integrantes do alto escalão

Constrangimento "amarra" desempregado

TATIANA DINIZ
DA REPORTAGEM LOCAL

Se perder o emprego é ruim, revelar a situação à família pode ser uma etapa ainda pior. Constrangimento, medo do abandono e sentimento de impotência encabeçam a lista das "amarras" que impedem as pessoas de conversar sobre o tema à mesa de jantar.
De acordo com especialistas, quanto mais alto o posto perdido, maior costuma ser o desafio enfrentado pelo profissional na hora de abrir o jogo em casa. "A perda do status dói mais nesses casos. Muitas vezes, o reconhecimento da família derivava do fato de a pessoa ser importante onde trabalhava", observa Nelson Moschetti, da RCS Consultores.
Para se ter uma idéia de quão delicada é a situação, há quem recorra a medidas extremas, mantendo horários de chegada e saída por dias ou meses antes de ter coragem de contar a verdade.
O tema é tão recorrente que inspirou o roteiro de "A Agenda" (França, 2001), do diretor Laurent Cantet. Na trama, o alto executivo Vicent não só esconde a demissão da família como cria uma nova função, que o mantém sempre longe de casa. Para dar sustentação à farsa, passa noites no carro ou em um chalé abandonado.
A vida real tem episódios semelhantes. "Já atendi um [executivo] que passava as tardes inteiras dentro de salas de cinema enquanto a família achava que ele estava no trabalho", ilustra Elaine Saad, da Right Saad Fellipelli.

"Agora não dá"
Há pouco mais de um mês, o economista A.J., 57, recebeu a notícia de que seria dispensado da firma em que trabalhou durante os últimos sete anos. Levou nove dias para comunicar mulher e filhos. "Ficava pensando na melhor maneira de dizer", explica. Deixou de ir para a cidade onde moram, como fazia às sextas-feiras, para adiar o problema. "Empurrei para o outro fim de semana."
Já no caso de B.S, 30, formada em ciências sociais, o receio de contar que havia perdido o emprego durou três meses. "Minha família mora em Fortaleza, e meu pai e meu irmão estavam doentes. Não tinha coragem de dar a eles outra preocupação", afirma.
Assim como a proteção aos pais, o medo da reação dos filhos costuma ser outro desafio. "É ilusão esconder deles porque as crianças sentem que há algo errado", diz a psicóloga Natércia Tiba.
Para ela, muitos sobrepõem o papel profissional ao de pais e vêem essa identidade ruir com a demissão. "Mas é uma chance de estreitar laços com as crianças."
Que o diga a gerente Rosa Lopes, 49. Durante os cinco meses em que esteve fora do mercado, acompanhou a vida escolar dos filhos Marina, 15, e Mateus, 10. "Fazia a lição com eles todo dia. Foi um período muito proveitoso."


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