São Paulo, domingo, 23 de maio de 2004

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ASSUNTO DE FAMÍLIA

Comunicar às crianças evita que elas ponham em xeque a sinceridade do relacionamento

Crise não é individual e deve ser repartida

DA REPORTAGEM LOCAL

Longe de instituir uma situação de alívio, dissimular a perda do emprego para a família geralmente se converte numa fonte de tensão, estresse e angústia.
Além disso, a medida é duplamente perigosa. Isso porque anula a sintonia com uma potencial fonte de amparo e de estímulo capaz até mesmo de auxiliar a caça a novas posições. Por isso abrir o jogo continua sendo o melhor caminho, por mais difícil que seja.
"A perda do emprego é uma crise familiar, e não só pessoal. Mesmo quando a reação é esconder, a comunicação acontece por outras vias que não a verbal", observa a psicóloga Natércia Tiba.
O consultor Luis Fernando Garcia concorda e completa: "Na psicologia analítica, o núcleo familiar é apontado como o elemento que "dá continente" ao indivíduo quando ele se encontra à deriva".
Garcia, que acompanhou o desligamento de diretores do grupo Bradesco em uma época de reestruturação da empresa, observa que há um temor reinante entre os executivos de que, a partir da família, a notícia "vaze".
"Para um executivo, pôr a boca no trombone não é estratégico. Mas isso não o impede de conversar sobre o assunto em casa. O melhor é colocar a verdade de forma não comprometedora, sem se expor demais", ensina.

Jogo limpo
Elucidar os filhos sobre a situação, independentemente da idade que tenham, indica prudência. "Perceber alguma coisa errada dá margem a fantasias de que algo muito ruim esteja acontecendo. Isso é pior do que conhecer a realidade", pontua Tiba.
A especialista reforça que é muito importante validar a compreensão das crianças. "Quando notam a crise, mas ela é negada, começam a questionar a percepção que têm da realidade e a sinceridade do relacionamento entre eles e os pais", comenta.
O casal Amauri Martins, 40, e Carminie Pacheco, 39, enfrentou perdas sucessivas de emprego. "Fui demitida de um cargo com boa remuneração e passei quatro meses sem trabalho. Nosso padrão de vida caiu. Quando finalmente consegui uma nova posição, meu marido foi mandado embora", relata Pacheco.
Felipe, o filho de cinco anos, acompanhou todo o processo e teve participação ativa nas discussões sobre a situação da família. "A maior preocupação dele era se teríamos dinheiro para pagar a escola. Tinha medo de não poder ir mais lá, de ficar longe dos amigos", conta ela.
Além de acalmar o garoto dizendo que a mensalidade da escola estava garantida, os pais aproveitaram a deixa para reforçar a necessidade de economia. "Mostramos que não dava para gastar tanta luz nem fazer passeios como antes porque era preciso usar esse dinheiro para comprar comida. Ele entendeu."

Cofrinho
No escritório da consultora Mariá Giuliese, que gerencia os programas de recolocação da Lens & Minarelli, desabafos sobre a dificuldade de contar a verdade aos filhos dividem espaço com a preocupação de conseguir emprego. Num dos casos, segundo conta, um executivo manteve segredo para a filha menor, temendo a reação. Ao contar, ficou surpreso. "A menina fazia comerciais, e os cachês eram poupados. Quando soube da situação, ofereceu as economias. Ela sustentou a família por um tempo."


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