São Paulo, domingo, 26 de novembro de 2006

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CULPADOS?

Culpa por acidente trabalhista recai sobre empregado ferido

DRT-SP quer mudar foco de análise e investigar causas, não responsáveis

Anna Carolina Negri/Folha Imagem
O metalúrgico G.R.P., que teve quatro dedos da mão direita amputados enquanto ajudava a lubrificar uma máquina


CRISTIANE ALVES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Acidentes -como diz o ditado- acontecem. Aquele ocorrido no ambiente de trabalho, porém, deve ser investigado a fundo no intuito de examinar os motivos que o provocaram.
Geralmente, após o ocorrido procura-se logo um culpado, não os fatores que o geraram. E o acusado, para parte das empresas, é sempre o trabalhador.
"É mais fácil culpar o trabalhador, que, vítima, torna-se a parte mais fraca", destaca o auditor do DRT-SP (Delegacia Regional do Trabalho) Hildelberto Bezerra Nobre Júnior.
O caso de E.S., 37, é emblemático. No ano passado, o torneiro mecânico trabalhava em uma metalúrgica de Piracicaba (a 162 km da capital paulista).
Segundo conta, seu supervisor o chamou para que verificassem juntos um problema em uma mandrilhadora (aparelho que perfura grandes peças de aço). A máquina era operada por outro funcionário, que estava na função havia dez meses.
"Primeiro, ele [o supervisor] colocou o corpo inteiro dentro da máquina para me mostrar onde estava o problema. Depois que saiu, coloquei a mão para sentir [o local indicado]", explica E.S. "Inexperiente, o operador ligou a máquina sem checar se estávamos lá em cima. Em cinco segundos, a máquina levou meu braço direito."
O relatório da equipe de segurança no trabalho da metalúrgica apontou a imprudência como fator pessoal causador do acidente. O Cerest de Piracicaba (Centro de Referência em Saúde do Trabalhador), porém, verificou que, dentre os fatores que levaram ao acidente, a máquina não possuía scanner para identificar presença humana na zona de operação. Empresa e fabricante foram notificados.

Atos inseguros
Em 2004, o pesquisador Rodolfo Andrade de Gouveia Vilela investigou laudos de acidentes de trabalho ocorridos em 1998, 1999 e 2000. Os pareceres concluem que 80% dos acidentes são causados por "atos inseguros" cometidos por trabalhadores, enquanto a falta de segurança soma 15,5% dos casos.
"A responsabilização das vítimas ocorre mesmo em situações de elevado risco, em que não são adotadas as mínimas condições de segurança", diz.
É sinal de que certas empresas procuram culpados, não causas. O resultado são laudos que atribuem o ocorrido a um ato inseguro do empregado -ou seja, fruto de desobediência às normas de segurança.
Para a DRT-SP, investigar esse conjunto de fatores pode prevenir novos casos. O Programa Estadual de Combate a Acidentes Graves, criado em 2000, muda o modo de análise.
"[Queremos] divulgar essa informação para ter um efeito multiplicador das análises de cada auditor", resume a auditora Viviane de Jesus Forte.
O MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) também trata a fiscalização como forma de nortear os empregadores. "Auditores têm orientação expressa para usar essa metodologia", diz Rinaldo Marinho, diretor de Segurança e Saúde do MTE.


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