São Paulo, quinta-feira, 01 de março de 2007
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Outras idéias - Wilson Jacob Filho

Quem vai nos proteger?

Tenho aproveitado todas as chances para conversar com quem envelhece. Além do tempo dedicado às consultas, participo de palestras e de reuniões sobre esse tema, supostamente com o interesse de levar informações que permitam aos interessados tomar decisões mais justificadas.
Em verdade, o interesse é maior. Vou para aprender. Não há melhor escola para saber mais sobre envelhecimento do que um local onde idosos se reúnam para falar das suas experiências pessoais. Na última da qual participei, reunimo-nos em uma igreja para falar de saúde e de bem-estar. Rapidamente, o que era para ser uma apresentação seguida de um bate-papo se transformou em uma discussão sobre as dificuldades dessa fase. Em meio às perguntas sobre dores e limitações, surgiu o tema que faria daquela tarde algo especial. Sentado no canto do salão, Gregório questionou: "Quem vai nos proteger dos interesseiros?" Segundos de silêncio. "O senhor sabe que o velho está na moda. Só se fala nisso. Agora tem tudo para a terceira idade: desconto na farmácia, curso de computador, viagem de turismo. Quem garante que isso é bom?"
O tema não poderia ser mais oportuno. A apresentação parou por ali e iniciamos um debate muito mais produtivo. Melhor ter opções do que não tê-las, isso foi tido como indiscutível. O idoso esquecido, marginalizado, é fator de risco para graves problemas sociais. Por outro lado, ter de optar exige discernimento e atitude.
Quem cultiva isso no avançar da idade? Vivemos um modelo cultural no qual esses atributos são cada vez mais desenvolvidos na fase inicial da vida, dando à criança e ao adolescente possibilidades maiores e mais precoces de decidir coisas importantes para o seu futuro. Aos idosos, porém, são impostas condições geralmente determinadas pelos mais jovens. Embora a maior parte delas venha envolvida por uma espessa cobertura de bons objetivos, o núcleo tira do idoso a necessidade de pesquisar e escolher. E quem não escolhe fica refém de quem escolhe por ele.
Caro Gregório, você tocou o centro da ferida. Não bastará criarmos melhores opções para quem pretende envelhecer. Temos de criar a necessidade de nos informar continuamente e, baseados nas novas informações e na experiência acumulada, tomar as decisões que melhor combinam com as expectativas futuras de cada um. Tratemos de nos preparar para seguir decidindo o que nos será favorável. Não há por que delegar aquilo que ainda pode ser feito por nós mesmos, os maiores interessados.


WILSON JACOB FILHO de Medicina da USP e diretor do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas (SP), é autor de "Atividade Física e Envelhecimento Saudável" (ed. Atheneu)

wiljac@usp.br


Texto Anterior: Correio
Próximo Texto: Saúde: Abuso de analgésicos eleva risco de infarto
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.