São Paulo, quinta-feira, 01 de setembro de 2005
Texto Anterior | Índice

S.O.S. família

Rosely Sayão

Crianças pequenas e autoridade

Os menores de seis anos estão dando o maior trabalho aos pais. Mulheres que tiveram filhos sabendo antecipadamente que os criariam sozinhas, casais que se mantêm juntos, homens separados que tomam conta dos filhos pelo menos nos fins de semana: todos estão pulando miudinho para tentar dar conta do recado.
Uma jovem mãe diz que não sabe mais o que fazer com o filho de um ano e nove meses que insiste em dar tapas, mordidas e beliscões nela; um pai separado que fica regularmente com o filho de quase quatro anos pensa em levá-lo ao médico porque o garoto se joga no chão quando não consegue o que quer; um casal já não tão jovem luta com a filha de três anos para que ela durma na cama dela; uma mãe não sabe como agir para que o filho caçula entenda que não pode bater no irmão.
Nesses exemplos, os pais têm em comum o fato de adotarem uma prática que julgam educativa: conversar com os filhos para explicar por que são erradas algumas coisas que fazem e "combinar" com eles o que podem e o que não devem fazer. Há dois pontos que colaboram para a dificuldade que os pais enfrentam.
Em primeiro lugar: ter filhos é um projeto, pelo menos inicialmente, que tem relação do sujeito apenas consigo mesmo. Deixar uma descendência é um anseio legítimo de ter uma marca de continuidade neste mundo. Mas, logo depois do nascimento, tal projeto deve, aos poucos, descolar-se das questões que são puramente pessoais e associar-se a esse outro ser que é o filho.
No mundo atual, em que o individualismo reina pari passu com a obrigação de ser sempre jovem, tem sido particularmente difícil para os adultos desapegarem-se da idéia de filho como projeto narcísico. De modo bem resumido: os adultos querem ter filhos e continuar vivendo sem amolações e mudanças.
Segundo: a infância foi roubada das crianças. Não bastasse a evidente falta de espaço (e não apenas físico) para elas no mundo contemporâneo, nosso modo de viver joga sobre elas o pesado mundo adulto. Uma das conseqüências é os pais tratarem seus filhos pequenos como se fossem quase iguais a eles. Ora, se um adulto é capaz de entender o que pode e o que não pode fazer e obedecer às regras, mesmo que elas contrariem suas vontades, os pais esperam que os filhos também consigam o mesmo. O modo de buscar isso é curioso, já que os pais de hoje não querem repetir a atitude autoritária dos pais de pouco tempo atrás. Agora, buscam a adesão dos filhos à obediência, ou seja, querem que os filhos obedeçam por convencimento e por convicção.
Os exemplos citados mostram a confusão dos pais que não querem mandar nos filhos, não querem fazer imposições em demasia a eles. Mas, mesmo assim, eles querem ser obedecidos de pronto pelas crianças ou, pelo menos, quase. Os adultos, presos na eterna juventude que a cultura nos impõe, não querem ter de dizer a mesma coisa muitas vezes aos filhos, não querem ter o trabalho de contê-los fisicamente quando preciso, não querem forçá-los a fazer coisas que acham importante que façam. Os adultos não querem perder algumas horas de sono devido ao cansaço, não querem abrir mão de quase nada de sua vida nem provocar sofrimento e frustração aos filhos porque temem causar estragos emocionais a eles.
Isso contribui sobremaneira para que os pais não saibam o que fazer quando os filhos desobedecem, fazem birra, agem como crianças que são, enfim. Pois é preciso se armar de recursos diferentes dos usados com adultos: estratégias lúdicas, firmeza e muita, muita paciência. E, principalmente, não estranhar que os filhos pequenos usem os recursos que têm à mão. Tudo do que eles precisam é de adultos que os contenham, que os distraiam quando se fixam em algo que não devem ou não podem, que os façam obedecer quando preciso. E, pelo jeito, isso é artigo raro hoje em dia.


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
@ - roselysayao@folhasp.com.br



Texto Anterior: Poucas e boas
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.