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S.O.S. família
Rosely Sayão
Crianças pequenas e autoridade
Os menores de seis anos estão
dando o maior trabalho aos
pais. Mulheres que tiveram filhos sabendo antecipadamente
que os criariam sozinhas, casais
que se mantêm juntos, homens separados que
tomam conta dos filhos pelo menos nos fins
de semana: todos estão pulando miudinho
para tentar dar conta do recado.
Uma jovem mãe diz que não sabe mais o que
fazer com o filho de um ano e nove meses que
insiste em dar tapas, mordidas e beliscões nela; um pai separado que fica regularmente
com o filho de quase quatro anos pensa em levá-lo ao médico porque o garoto se joga no
chão quando não consegue o que quer; um casal já não tão jovem luta com a filha de três
anos para que ela durma na cama dela; uma
mãe não sabe como agir para que o filho caçula entenda que não pode bater no irmão.
Nesses exemplos, os pais têm em comum o
fato de adotarem uma prática que julgam educativa: conversar com os filhos para explicar
por que são erradas algumas coisas que fazem
e "combinar" com eles o que podem e o que
não devem fazer. Há dois pontos que colaboram para a dificuldade que os pais enfrentam.
Em primeiro lugar: ter filhos é um projeto,
pelo menos inicialmente, que tem relação do
sujeito apenas consigo mesmo. Deixar uma
descendência é um anseio legítimo de ter uma
marca de continuidade neste mundo. Mas, logo depois do nascimento, tal projeto deve, aos
poucos, descolar-se das questões que são puramente pessoais e associar-se a esse outro ser
que é o filho.
No mundo atual, em que o individualismo
reina pari passu com a obrigação de ser sempre jovem, tem sido particularmente difícil
para os adultos desapegarem-se da idéia de filho como projeto narcísico. De modo bem resumido: os adultos querem ter filhos e continuar vivendo sem amolações e mudanças.
Segundo: a infância foi roubada das crianças. Não bastasse a evidente falta de espaço (e
não apenas físico) para elas no mundo contemporâneo, nosso modo de viver joga sobre
elas o pesado mundo adulto. Uma das conseqüências é os pais tratarem seus filhos pequenos como se fossem quase iguais a eles. Ora, se
um adulto é capaz de entender o que pode e o
que não pode fazer e obedecer às regras, mesmo que elas contrariem suas vontades, os pais
esperam que os filhos também consigam o
mesmo. O modo de buscar isso é curioso, já
que os pais de hoje não querem repetir a atitude autoritária dos pais de pouco tempo atrás.
Agora, buscam a adesão dos filhos à obediência, ou seja, querem que os filhos obedeçam
por convencimento e por convicção.
Os exemplos citados mostram a confusão
dos pais que não querem mandar nos filhos,
não querem fazer imposições em demasia a
eles. Mas, mesmo assim, eles querem ser obedecidos de pronto pelas crianças ou, pelo menos, quase. Os adultos, presos na eterna juventude que a cultura nos impõe, não querem ter
de dizer a mesma coisa muitas vezes aos filhos,
não querem ter o trabalho de contê-los fisicamente quando preciso, não querem forçá-los
a fazer coisas que acham importante que façam. Os adultos não querem perder algumas
horas de sono devido ao cansaço, não querem
abrir mão de quase nada de sua vida nem provocar sofrimento e frustração aos filhos porque temem causar estragos emocionais a eles.
Isso contribui sobremaneira para que os
pais não saibam o que fazer quando os filhos
desobedecem, fazem birra, agem como crianças que são, enfim. Pois é preciso se armar de
recursos diferentes dos usados com adultos:
estratégias lúdicas, firmeza e muita, muita paciência. E, principalmente, não estranhar que
os filhos pequenos usem os recursos que têm à
mão. Tudo do que eles precisam é de adultos
que os contenham, que os distraiam quando
se fixam em algo que não devem ou não podem, que os façam obedecer quando preciso.
E, pelo jeito, isso é artigo raro hoje em dia.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar
Meu Filho?" (ed. Publifolha)
@ - roselysayao@folhasp.com.br
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