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Bandidas ou mocinhas?
Depois de um modismo da retirada das amígdalas e da adenóide e da contenção radical da cirurgia, médicos voltam a indicar a operação com mais precisão
MARCOS DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL
A retirada das amígdalas e da adenóide (conhecida como carne esponjosa) sempre foi motivo de polêmica na medicina. Parte fundamental do
sistema de defesa do corpo humano nos primeiros
anos de vida, esses tecidos linfóides (conhecidos
respectivamente como tonsila palatina e tonsila faríngea) tornam-se freqüentemente foco de infecções; e o aumento de tamanho deles pode causar febre, dificuldades na alimentação, distúrbios do sono, deformações da arcada dentária e da face e até
mesmo surdez.
Essa característica contraditória das
amígdalas e da adenóide sempre causou
dúvidas na hora de retirá-las.
"Também existe moda na medicina",
diz o pediatra Bernardo Ejzenberg,
coordenador de pesquisas da divisão de
pediatria do Hospital Universitário da
USP. Segundo ele, essas tonsilas sempre
foram vistas "ou como mocinhas ou como bandidas".
"Houve um surto de retirada das
amígdalas e da adenóide que aconteceu
até meados dos anos 60. Acreditava-se
que a cirurgia era favorável de modo geral, já que elas eram consideradas um
potencial foco de infecção. Crianças que
não comiam bem ou que não cresciam,
mesmo que não tivessem infecções, recebiam indicação para a cirurgia. Até
mesmo irmãos de crianças que tinham
problemas eram operados. Os médicos
faziam a retirada por atacado", afirma.
Depois da década de 60 e, "principalmente, nos anos 80", de acordo com Ejzenberg, o conceito médico mudou: "A
retirada foi considerada um sacrilégio",
já que as "benditas" fazem parte do sistema de defesa do organismo, funcionando como uma espécie de alarme que
dispara a produção de células de defesa
e anticorpos. "Mesmo pessoas que tinham múltiplas infecções não eram
operadas", diz.
Para o médico, o excesso da retirada
-assim como a falta- estava errado.
"A partir dos anos 90, temos indicações
precisas para a cirurgia", afirma -leia
texto ao lado. "Hoje em dia, há indicações somente para a retirada da adenóide [e não das amígdalas], em casos de
otite (inflamação do ouvido) recorrente
e/ou obstrução das vias nasais", diz.
Segundo a pediatra Lucila Bizari Fernandes do Prado, coordenadora do Laboratório de Sono da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), a difusão do
uso dos antibióticos, depois da Segunda
Guerra Mundial, contribuiu para a diminuição da adenoamigdalectomia (cirurgia de remoção das tonsilas palatinas
e faríngea).
A hipertrofia das tonsilas também é a
grande causadora da chamada síndrome da apnéia obstrutiva do sono. De
acordo com a pediatra da Unifesp, o
diagnóstico da apnéia do sono se tornou, nos anos 90, um motivo freqüente
para a retirada desses tecidos.
A parada respiratória (ou apnéia) durante a noite causa microdespertares
que têm como conseqüências, nos adultos, sonolência diurna, perda de memória e diminuição da libido.
"A criança é mais sensível. A apnéia
pode causar danos no cérebro e, por tabela, dificuldades no aprendizado", afirma a pediatra Lucila.
Não há dúvidas de que a retirada das
amígdalas e/ou da adenóide seja uma
operação sem grandes complicações.
Mas, segundo Shirley Pignatari, chefe da
disciplina de Otorrinolaringologia Pediátrica da Unifesp, no caso das amígdalas, o pós-operatório exige cuidados.
"Independentemente da técnica cirúrgica, a recuperação costuma ser mais
dolorosa, necessitando quase sempre de
analgésicos. Embora os pacientes freqüentemente possam receber alta hospitalar no mesmo dia, não é incomum
que permaneçam internados por, pelo
menos, um dia", diz Pignatari.
E, afinal, como fica o nosso sistema
imunológico sem elas?
Segundo a médica, as amígdalas e a
adenóide representam apenas um entre
muitos sítios de defesa imunológica que
se encontram espalhados ao longo da
via respiratória e digestiva e em outras
regiões do corpo humano. Portanto não
são essenciais para a defesa do organismo. "Quando a cirurgia é bem indicada,
o paciente fica menos vulnerável às infecções das vias respiratórias", diz.
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