São Paulo, quinta-feira, 02 de dezembro de 2004
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A estação não terminal

"Talvez por fazer parte dos que, em plena fase inicial da vida sexualmente ativa, tiveram de aprender que sexo e medo de pegar Aids andam juntos, disse a minha mãe, aos 15 anos (década de 90, auge da peste), aos prantos: 'Acho que tô com Aids! Quero fazer o exame!'. Deu negativo. Quem sabe pelo fato de ser homossexual (e de ter consciência disso desde cedo), eu tenha sentido esse medo precoce.
O que penso disso é que quando, sete anos mais tarde, soube ser soropositivo (em 2000), era como se aos 14 eu tivesse previsto o destino de quem, apesar de informado, não se preveniu. Foi um choque, óbvio, mas a sensação era um pouco a de fazer parte de um grupo de 'idiotas, mas com motivo': quem não vacila uma vez ou outra?
Quando o médico, após saber que eu estava há dias com diarréia, pediu vários exames e, de supetão, o HIV, gelei. 'Eu já abusei algumas vezes.' Fui fazer o exame somente duas semanas depois.
Fui sozinho. Até então ninguém sabia de nada. Não cheguei a ficar apreensivo até o resultado sair, mas, depois de pegar o envelope -também sozinho- e ouvir: 'estação terminal Vila Madalena' pensei, saindo do metrô e indo para casa: 'estação terminal; é isso'. Tive vontade de rasgar o envelope assim como rasgaria a capa da revista com o Cazuza cadavérico. 'O meu prazer agora é risco de vida?'
Em vez de chorar, sei lá por quê, a reação de riso e histeria surgiu logo depois que li: reagente. Reagente? As minhas gargalhadas fizeram-me sentir próximo da loucura, como nunca antes. Explodir? Impossível narrar em poucas linhas o que se sente nessa hora. Só posso dizer que demorei para saber como reagir ao fato de ser portador do HIV. Mas reagi. Hoje, ainda que continue achando agressivo o modo como o médico solicitou o exame, agradeço por ter descoberto logo que era positivo.
Talvez eu não tivesse feito o exame por conta própria, como no rompante tido aos 14 anos, e descobrisse já num estado avançado da doença, o que seria péssimo. Estou muito bem de saúde, obrigado, e como Aids e sexo sem camisinha continuam caminhando juntos, o melhor para quem não se preveniu em 100% das relações sexuais é fazer o exame o quanto antes. Terrorismo? Talvez, já que o conselho vem de alguém que, sem pensar, agiu em alguns momentos como um homem-bomba. Ainda bem que ninguém explodiu junto comigo. E que eu consegui refazer os meus cacos."


Prometeu (nome fictício) tem 27 anos
e é professor



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