São Paulo, quinta-feira, 02 de dezembro de 2004
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Nutrição

Preocupação com alimentação saudável leva os pais a rever seus hábitos

Muito além do arroz com feijão


O problema é uma reeducação malconduzida. É consenso entre especialistas que mudanças drásticas ou muito restritivas não vão longe


RODRIGO GERHARDT
da reportagem local

Quem nunca ficou em casa à toa e, em razão do tempo livre, passou a tarde atacando a geladeira ou explorando os armários da cozinha em busca de algum petisco? Com as férias escolares chegando, a tendência de as crianças adotarem a mesma prática e extrapolar é maior. Além disso, durante os passeios, há a ameaça constante das guloseimas, dos lanchinhos na casa dos amigos e da ida mais freqüente ao supermercado com os pais. Para especialistas em nutrição e psicologia, é um bom momento para que a família coloque em prática a tão propalada reeducação alimentar.
Durante o ano letivo, algumas escolas buscaram iniciativas para auxiliar no controle da alimentação, como horta no pátio, restrições aos produtos vendidos na cantina, mudanças no cardápio da merenda e reuniões com a família. Ainda que algumas delas promovessem apenas resultados imediatos, alertaram os pais a despertar para a necessidade de rever seus hábitos e os dos filhos, já que o comportamento alimentar dos pequenos está diretamente associado ao dos pais, suas primeiras referências.

MUDANÇA DE HÁBITO
Depois que os hábitos são adquiridos, mudá-los é muito difícil.
A produtora paulista Sílvia Martinez Escarparo, 28, resolveu estabelecer novos hábitos com seu marido para educar Larissa, sua filha de dois anos, assim que ela largou a amamentação. "Deixamos de beber refrigerante em casa para ela não pedir, diminuímos o fast food, aumentamos o consumo de hortaliças e passamos a almoçar sempre juntos, a ter horário para as refeições. Explico a ela que os legumes coloridos são os mesmos que ela plantou na escola", conta Sílvia.
Os resultados da mudança têm sido sentidos. "Durmo melhor, regularizei o intestino, me sinto mais disposta."
Sua maior dificuldade, admite, é a mesma de muitas outras mães: ser criativa na cozinha no preparo dos pratos para as crianças.
Na casa da arquiteta Maria Milani, 48, de São Paulo, por exemplo, quem monta e enfeita o prato de saladas é a filha Maria Paula, dez anos. O hábito de consumir verduras e legumes como entrada do almoço, diariamente e desde pequena, fez com que a filha se tornasse uma apreciadora de rúcula e acelga -algo pouco comum para alguém da idade dela.
"Na escola, é ela quem recebe as porções de fruta da merenda que as colegas não querem", conta, orgulhosa, a mãe, que, mesmo na correria diária, faz questão da família reunida para o almoço, todos os dias. "Chego correndo, almoço e volto para o trabalho."
Muitas vezes, tentativas de melhorar a alimentação da família acabam não dando certo sem que os pais identifiquem a causa do fracasso. Aliás, é normal atribuírem o motivo à rebeldia do filho, "que não tem mais jeito". O problema, na verdade, é uma reeducação malconduzida. É consenso entre especialistas que mudanças drásticas ou muito restritivas não vão longe.
"A alimentação não é apenas para nutrir o corpo. Ela deve ser prazerosa. O aspecto social é importante. A criança precisa ter espaço para tomar um sorvete, comer um chocolate. Os pais devem ter flexibilidade para frear e liberar os impulsos dos filhos e conversar", diz a professora da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Maria Aparecida Moyses.
"A reeducação pode levar anos, justamente porque precisa ser feita da forma mais natural possível. Se cada almoço for motivo de discussão à mesa, a alimentação se torna um fator de estresse", complementa Angélica Claudino, coordenadora do programa de orientação e assistência aos transtornos alimentares da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Segundo ela, a principal justificativa dos pais para não promover mudanças nos hábitos ainda é a falta de tempo, o que não torna impossível essa reeducação. "A falta de tempo é uma desculpa muitas vezes para a falta de proximidade com os filhos ou uma forma de esconder o desejo de consumir fast food", explica.
Segundo os especialistas, o importante é aproveitar cada momento possível da melhor forma e saber escolher o que estará disponível em casa.
Mais uma vez, o comportamento dos pais é fator determinante para a formação do padrão alimentar dos filhos. Quem não gosta ou não tem o hábito de ingerir frutas, por exemplo, tende a não passar esse costume para os seus descendentes.
É o que aconteceu na família da pedagoga Mara Ribeiro Martins, 37, de Porto Alegre (RS). Sem o hábito de comer frutas e verduras, raramente isso era posto à mesa para as filhas Bruna e Amanda, dez e 11 anos, respectivamente. Até então, a alimentação era baseada em frituras, pães, massas e carnes, sem muita preocupação. Pelo menos uma vez por semana, consumiam algo do
tipo fast food. "Usávamos apenas adoçante", diz Mara.
A conseqüência disso foi detectada com susto. Um exame de rotina na pediatra constatou um nível preocupante de colesterol nas duas meninas, que, assim como os pais, também estavam acima do peso ideal. "Durante um ano, adotamos algumas práticas sugeridas pela pediatra, como trocar o óleo de soja pelo de canola, diminuir as frituras e cortar o refrigerante do almoço, mas não tivemos muito sucesso. Descobri depois, com a ajuda de uma nutricionista, que não tínhamos noção de quantidade ideal das porções que comíamos nem de combinação dos alimentos", conta a pedagoga.
Há dois anos, toda a família adotou novos hábitos, como ingerir mais frutas e legumes ainda que combinados (como o brócolis com arroz), observar o nível de gordura saturada nos rótulos dos produtos e dosar melhor as porções.
No supermercado, guloseimas que fogem à dieta passaram a ser negociadas.
"Quando elas têm vontade de alguma coisa, tentamos achar uma opção com menos calorias ou então levamos a embalagem menor", conta a mãe. Graças ao esforço, as meninas já estão dentro da curva normal de peso e altura.

QUEM CONDUZ O CARRINHO
Segundo pesquisa de mercado desenvolvida pela empresa InterScience em outubro de 2003, 52% dos consumidores entrevistados declararam que levam seus filhos, de vez em quando, ao supermercado. Outros 40% levam sistematicamente.
Para os pais, é uma oportunidade de ter a companhia dos filhos por mais tempo. Para os pequenos, acompanhá-los é a chance de ganhar algo gostoso e 38% deles influenciam nas compras, segundo a pesquisa.
"A ida ao supermercado deveria ser um momento de educação dos filhos, mas até mesmo os pais não têm noção do que compram. São guiados também pela publicidade", diz a nutricionista Joselaine Silva Stürner.
Pedir a ajuda dos filhos pequenos para que escolham os legumes mais frescos, as frutas mais apetitosas, saber negociar uma guloseima, casando-a com algo mais saudável e que deva ser consumido na semana ou comprar um vasinho de tempero para que a criança cuide em casa são estratégias apontadas por ela como o início dessa relação.
"Os pais não devem subestimar o discernimento das crianças. Precisam ser menos automáticos, conversar mais com os filhos. Isso demanda atenção e tempo sim, mas os benefícios são para a vida toda", diz Stürner.

LITERATURA DE FOGÃO
Para ajudar a encontrar variações do arroz com feijão, a editora Melhoramentos lançou recentemente dois livros de receitas com a supervisão de profissionais da nutrição. O primeiro, "O Livro de 'Dietas' do Menino Maluquinho" (48 págs., R$ 9,90), do cartunista Ziraldo, 72, é baseado nas experiências que o autor observou com os próprios netos.
Traz receitas para crianças magrinhas e gordinhas elaboradas pelo chef Sílvio Lancelloti.
O segundo, "Receitas de Princesa" (80 págs., R$ 59), do chef Allan Vila Espejo, associa os pratos a personagens da Disney.
"Cresci no interior, pegando fruta no pé. Nunca tive problema para comer. As crianças de hoje vivem em outra realidade, querem novidades sempre. O livro é uma tentativa de ajudar os pais a oferecer pratos mais interessantes para eles", diz Ziraldo.
A nutricionista Joselaine Silva Stürner, autora do livro "Reeducação Alimentar na Família", a ser lançado neste mês pela editora Vozes, concorda que trazer os filhos para a cozinha pode tornar a educação mais fácil e a criação de pratos diferentes também.
Além de eles apreciarem suas próprias "criações", têm mais contato com os alimentos -uma oportunidade para os pais falarem sobre os seus benefícios.
Embora a obesidade seja uma realidade, é importante lembrar que a boa alimentação é fundamental para a saúde bucal, o bom funcionamento do organismo e o bem-estar de forma geral.
Por isso, não basta apenas optar por produtos light, ainda controversos em relação ao consumo infantil.


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