São Paulo, quinta-feira, 02 de dezembro de 2004
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s.o.s.família

rosely sayão

Qual a fronteira entre relações autoritorárias e relações mais democráticas, considerando-se a tarefa educativa dos pais?

O limite entre o público e o privado

O que importa apenas à intimidade das pessoas e o que cabe levar ao convívio social? E mais: o que, da privacidade da vida dos pais, é interessante compartilhar com os filhos -e vice-versa- e o que seria mais adequado ser levado apenas às pessoas de mesma geração, como amigos ou companheira (o), por exemplo? Hoje, a fronteira entre vida privada e vida pública está tão confusa que fica bem difícil responder sem titubear a essas questões. E é bom lembrar que a educação que damos a filhos e alunos é marcada por essas questões.
Quem é que já não observou casais de jovens -novos, por sinal- em um relacionamento que caberia bem melhor em local privado por ser considerado íntimo? E, em geral, a reação que temos ao testemunhar esse tipo de cena é a de moralizar o comportamento dos jovens. É fácil dizer ou pensar, nessa hora, que eles não sabem respeitar o público, que não têm vergonha etc.
Adulto adora moralizar o comportamento dos jovens e nem sempre se dá conta de que o que eles fazem foi a eles ensinado por nós, de um jeito ou de outro. Por exemplo: qual a diferença entre assistir a um beijo mais ousado e sensual entre dois adolescentes que agem assim em pleno espaço público e ouvir, em situação semelhante, uma briga de casal que se desenrola pelo celular? Aliás, quem é que já não teve de compartilhar conversas íntimas em situações desse tipo? E o mais interessante é que o constrangimento fica mais por conta de quem ouve do que de quem vive a cena, não é verdade?
Bem, mas como tem sido bem difícil aos adultos construir e delimitar a privacidade, do mesmo modo tem sido difícil saber como e o que ensinar aos filhos a esse respeito.
Vou usar uma situação vivida por uma mãe com seu filho de nove anos para nossa reflexão. Ao assistir a uma cena de intimidade de um casal em uma novela, o filho perguntou se ela e o pai faziam coisas desse tipo. Mesmo sentindo-se pouco à vontade para um diálogo desse tipo com o garoto, ela levou a conversa adiante. Disse que sim, eles faziam coisas desse tipo e outras -e devo dizer que, numa tentativa de preservar o filho e o casal, referiu-se apenas a comportamentos que ela chamou de "básicos", seja lá o que tenha significado isso para ela, naquele momento. A reação do garoto foi de perplexidade: "Mas quando é que vocês fazem isso se eu nunca vi?".
A mãe continuou a explicação informando ao filho que era no quarto do casal, à noite, que eles compartilhavam cenas de intimidade.
A intenção dessa mãe foi muito boa: ela quis, exatamente, dar uma lição de privacidade, passar a idéia para o filho de que tem coisas que não se fazem na frente dos outros, já que interessam apenas aos envolvidos. Entretanto, uma boa intenção nem sempre toma a forma de uma boa ação. O que a mãe conseguiu, agindo como agiu, foi expor a intimidade dela e do marido ao filho, mesmo que com palavras. Ela não se deu conta -justamente pela confusão que vivemos- que intimidade não se restringe ao que se vê, mas ao que se ouve também. Ela não se deu conta que há um limite entre a vida do casal e a dos filhos que deve ser preservado, mesmo que com custo.
Essa mãe não conseguiu imaginar que outra atitude poderia ter tido frente à indagação do filho. Quando a interpelei lembrando que ela poderia ter respondido ao filho que esse assunto não era da conta dele, ela reagiu com veemência dizendo que não queria, de modo algum, ser uma mãe autoritária.
E aí nos defrontamos com outra confusão típica de nossos dias.
Afinal, qual a fronteira entre relações autoritárias e relações mais democráticas, considerando-se a tarefa educativa dos pais?
Ainda aproveitando o exemplo de hoje, podemos vislumbrar uma pista. Pais autoritários não permitiriam ao filho que abordasse o assunto "sexo" com eles. Pais mais democráticos aceitam, sim, dialogar a esse respeito, mas numa abordagem sociocultural e não da intimidade da vida de cada um. E é bom lembrar que o inverso também tem acontecido: muitos pais extrapolam seu papel e sua tarefa educativa quando esmiuçam a vida íntima dos filhos. E nem adianta usar o argumento da necessidade de orientação: é perfeitamente possível orientar os filhos sem ter de saber detalhes da vida sexual ou amorosa deles.


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar
Meu Filho?" (Publifolha)
@>roselys@uol.com.br



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