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Eles precisam dormir e acordar mais tarde
Marcelo Barabani/Folha Imagem
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No ensino médio, Noel Martins assistia às aulas semi-adormecido, quando não dormia na sala de aula |
O relógio biológico dos adolescentes é naturalmente atrasado, e as pressões externas ajudam a reduzir as horas de sono
IARA BIDERMAN
FREE-LANCE PARA A FOLHA
A maioria dos adolescentes é vítima hoje da chamada privação crônica do sono, relacionada a comportamentos que vão de irritação e baixo rendimento escolar a busca,
durante o dia, por estimulantes, como nicotina, ou, durante a noite, por relaxantes, como
álcool. A maior e mais completa pesquisa sobre o padrão de sono na adolescência, feita
pela Fundação Nacional do Sono dos EUA, constatou que apenas 15% dos jovens de 13 a 18
anos dormem o número mínimo de horas necessárias: oito horas e meia nos dias letivos.
No Brasil, dizem os especialistas, a situação é semelhante. E mais: a privação crônica de sono dos
adolescentes está se tornando um problema de saúde pública por causa dos efeitos fisiológicos, psicossociais e psiquiátricos,
diz Geraldo Rizzo, presidente da Sociedade Brasileira de Neurofisiologia Clínica.
O problema também afeta as crianças, mas o quadro se agrava na puberdade,
com a entrada da chamada pressão social: computador, baladas, telefone e os novos relacionamentos
afetivos, entre outros.
O ritmo biológico de dormir e acordar é uma
adaptação do organismo ao fenômeno físico mais
previsível que existe, o ciclo dia-noite. Esse ritmo é
acompanhado por alterações fisiológicas, entre as
quais os picos hormonais e a variação da temperatura interna do corpo. Antes do amanhecer, por
exemplo, há um aumento da secreção do hormônio cortisol, que prepara o organismo para a atividade. Ao escurecer, aumenta a secreção de melatonina, que prepara para o sono. Quando a pessoa
acorda, a temperatura interna do corpo começa a
subir e atinge o valor máximo no final da tarde. Depois, começa a cair e chega ao valor mínimo no
meio da noite.
Na puberdade, esse mecanismo sofre um atraso,
o que faz do adolescente um ser biologicamente
programado para dormir e acordar mais tarde. Na
maior parte da manhã, seu cérebro não está em estado de vigília. Mesmo os jovens que dormem o suficiente (em média, nove horas por noite) tendem a
ficar sonolentos até o meio da manhã e absolutamente alertas a partir do meio da tarde.
O estudante André Funaro Mortara, 16, por
exemplo, apesar de dormir de sete e meia a oito horas, o que não é uma média ideal, mas superior a da
maioria dos seus colegas, passa a primeira aula
meio "sonado". Se vai dormir mais tarde, sente o
baque: dores no corpo, incapacidade de se concentrar e falta de vontade de conversar com qualquer
um. "Até para falar do jogo do Palmeiras." Mortara, que dorme às 23h e acorda às 6h30, pode estar
perdendo cerca de uma hora e meia de sono por
dia, o que, de segunda a sexta, dá quase uma noite
inteira a menos de sono. "Eu nunca tinha me dado
conta disso, de que sabemos tão pouco sobre as necessidades de sono", diz sua mãe, Mônica Funaro
Mortara, 43.
Desconhecimento é geral
Pesquisa de março passado, feita pela Fundação Nacional do Sono
dos EUA, mostra que mais de 50% dos pais não sabem quais são as necessidades de sono de seus filhos e também não conversam sobre isso com o
médico. Para o neurofisiologista Flávio Alóe, do
Centro de Sono do HC, mesmo pediatras ou hebiatras conhecem pouco o assunto e muitos pacientes
rodam de médico em médico até chegar a um diagnóstico de sono para os seus problemas.
A divulgação das descobertas no campo do sono
é mesmo muito recente. Até os anos 90, fora do
meio acadêmico, não se falava desse atraso fisiológico do sono do adolescente. Assim, para a maioria
das pessoas, o horário de dormir não passava de
uma questão educativa, de impor limites.
Para Luis Menna-Barreto, do Grupo Multidisciplinar de Desenvolvimento e Ritmos Biológicos da
Universidade de São Paulo, o principal "ladrão de
sono" do adolescente é o horário da escola, que começa cada vez mais cedo a partir da segunda fase
do ensino fundamental (de 5ª a 8ª séries), o que vai
na contramão do atraso fisiológico do sono. Atrasar o início do horário das aulas parece ser uma boa
medida. No Estado de Minnesota (EUA), algumas
escolas adotaram novos horários, e o desempenho
dos alunos tem sido superior ao dos que entram
mais cedo. Fica aí a dica para quem tiver a opção de
estudar no período da tarde, desde que o aluno não
troque a noite pela manhã na cama.
Noel Martins, 20, teve vários problemas na escola
durante o ensino médio, assistindo às aulas semi-adormecido -quando não dormia de fato na sala
de aula. Mas seu rendimento intelectual mudou
quando passou a estudar à noite, no cursinho. Hoje
faz faculdade à tarde e acorda entre 9h30 e 10h nos
dias de semana. Nos finais de semana, aproveita:
"Outro dia, dormi 16 horas seguidas", conta.
Tirar o atraso no fim de semana, para muitos especialistas, é um mal necessário, porque permite ao
adolescente que recupere, ainda que parcialmente,
o sono perdido. Menna-Barreto desaconselha a
prática, afirmando que ela produz um quadro de
desorganização dos ritmos biológicos. "Chamamos esse fenômeno de dessincronização interna. É
caracterizado pela perda das relações temporais
entre os ritmos dos hormônios, da temperatura, do
sono etc. Associa-se à fadiga, à alteração de humor
e à dificuldade de concentração, por exemplo."
Mas existem estratégias para aumentar a quantidade e a qualidade do sono do adolescente. Por
exemplo: o escuro aumenta a produção de melatonina, hormônio que tem influência sobre o início
do sono. Por isso afastar-se de telas luminosas pelo
menos uma hora antes de ir para a cama surte um
efeito "sonífero".
A fonoaudióloga Marcia Beer não esperava que
simples mudanças de hábito pudessem surtir resultados tão efetivos no sono da filha, Glória Beer,
de 16 anos. A estudante sempre teve dificuldade para pegar no sono, mas, quando ingressou no ensino
médio, a situação ficou crítica. Tinha de acordar às
5h15, mas só adormecia depois das 2h. "Eu não
conseguia me concentrar, brigava com todo mundo. Ficava desesperada, principalmente em época
de prova. Como não prestava atenção na aula, precisava estudar à noite e aí dormia menos ainda."
Mãe e filha procuraram ajuda no Instituto do Sono, onde receberam orientações básicas, muito
simples, como praticar exercício físico três vezes
por semana, mas só até as 16h30, e completar um
diário do sono. Em 15 dias, os horários de dormir já estavam praticamente regularizados. "Fiquei pasma. Achava que o problema só seria resolvido com medicamentos", diz a mãe.
Mas consumir remédio para dormir não é o caso,
porque o atraso faz parte da fisiologia do adolescente. E o melhor: acaba na vida adulta. Quando isso não acontece, aí sim pode ser doença -o chamado distúrbio de atraso da fase de sono. Algumas
das características do distúrbio são uma inflexibilidade muito grande para adiantar o sono e para despertar mais cedo e a tendência para acordar cada
vez mais tarde, trocando o dia pela noite. Nesse caso, são indicados tratamento específico e medicamentos, como melatonina sintética, diz Alóe, do
Centro de Sono do HC.
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