São Paulo, quinta-feira, 04 de janeiro de 2007
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Neurociência

Deixem as gestantes em paz!

[...] Em grávidas, o estresse crônico é triplamente perigoso, e o problema não se resolve com o parto

Mulheres grávidas têm privilégios: atendimento preferencial em bancos e caixas de supermercado, assentos reservados em metrôs e ônibus e a boa vontade em geral das pessoas, mesmo as mais rabugentas, que oferecem ajuda com bolsas pesadas e outras cortesias. Por quê?
As razões atuais vão da simples gentileza ao maravilhamento com o milagre de uma nova vida em gestação, passando pela consideração com enjôos, mal-estar e o cansaço de muitos quilos extras carregados noite e dia, sem descanso. Segundo a neurociência, há mais uma razão, importantíssima por sinal, para poupar as grávidas do estresse: o bem-estar futuro da sua prole -e da sociedade também.
O estresse crônico -aquele do qual a gente tenta, mas não consegue se livrar- é uma das piores coisas que podem acontecer ao cérebro. Mata neurônios, perturba o mecanismo cerebral de regulação das respostas ao estresse, provoca distúrbios como ansiedade e depressão, dispara doenças latentes. Em mulheres grávidas, então, o estresse crônico é triplamente perigoso, e o problema não se resolve com o parto. Pelo contrário: quem sofreu estresse crônico durante o período pré-natal tem o comportamento materno diminuído após o parto. Mais grave ainda, as seqüelas para os filhos podem ser para a vida inteira. A produção de neurônios novos no cérebro dos filhos gerados em períodos de estresse crônico materno é menor do que o normal ao longo de toda a sua vida, o que parece estar associado à vulnerabilidade a uma série de problemas como distúrbios do humor, deficiências cognitivas e até dependência de drogas. Desagradável para a mãe, péssimo para os filhos, ruim para a sociedade.
Mas nem tudo está perdido. Trabalhos recentes mostram que há um remédio simples para cérebros gerados sob estresse crônico materno: o carinho diário logo após o nascimento. Simples assim. O pequeno detalhe, claro, é que mães que sofreram estresse crônico durante a gestação têm bem menos chances de serem carinhosas com a sua prole após o parto. A saúde da sociedade começa, de fato, com a saúde das mães.
Por sorte, a natureza embutiu proteções em nosso corpo, e mulheres grávidas gozam dos efeitos ansiolíticos anti-estressantes naturais dos níveis de progesterona saindo pelas orelhas. Ainda assim, é hora de começar uma nova campanha, que lanço aqui aproveitando o Ano Novo, tempo de resoluções para uma vida melhor. Pela felicidade das próximas gerações: deixem as gestantes em paz!


SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora de "Sexo, Drogas, Rock'n'Roll & Chocolate" e de "O Cérebro Nosso de Cada Dia" (ed. Vieira & Lent)

suzanahh@folhasp.com.br


Texto Anterior: Beleza: Coqueiro que dá coco
Próximo Texto: Surpresa na balança
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.