São Paulo, quinta-feira, 04 de maio de 2006 |
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Nutrição Um dos maiores centros de estudos sobre saúde pública dos Estados Unidos questiona informações da pirâmide alimentar estabelecida oficialmente em 1992 Pirâmide invertida
RENATA DE GÁSPARI VALDEJÃO
Há mais de uma década, em 1992, o Departamento de Agricultura
dos EUA (USDA) criou uma pirâmide alimentar, batizada de
"Food Guide Pyramid", cuja missão era servir como um guia de
fácil consulta sobre alimentação saudável para a população. As
idéias contidas nesse ícone, que já eram ensinadas nas escolas, inclusive no
Brasil, disseminaram-se ainda mais. A Harvard School of Public Health,
um dos maiores centros de estudos sobre saúde pública dos Estados Unidos, diz, no entanto, que as informações contidas nela estão ultrapassadas.
O segundo motivo é o fato de que os carboidratos simples, encontrados em alimentos refinados, são rapidamente digeridos e absorvidos pelo organismo, o que aumenta os níveis de açúcar e de insulina no sangue, favorecendo também a elevação do nível de triglicérides e a queda da taxa do colesterol "bom", o HDL, além de ter como resultado o reaparecimento da fome em menos tempo. A longo prazo, esse quadro favoreceria o desenvolvimento de diabetes e de doenças cardiovasculares, além de promover ganho de peso em quem tiver essa tendência. O ideal, segundo recomenda a pirâmide criada pelos médicos de Harvard, é manter os alimentos integrais ou feitos a partir de grãos integrais (arroz, pães, massas) na base, ou seja, consumi-los com maior freqüência, já que eles são digeridos mais lentamente, mantendo o organismo saciado por mais tempo. Os refinados devem ser banidos para o topo (comer esparsamente), juntamente com os doces. REVISÃO No ano passado, o governo norte-americano promoveu uma revisão em sua antiga pirâmide e lançou uma nova versão, batizada de "My Pyramid". Ela mudou radicalmente em termos estéticos (as barras dos grupos de alimentos agora são verticais, em vez de horizontais, e representadas por cores), incluiu a importância dos exercícios físicos, mas, em termos de conteúdo, pouco se modificou. Além disso, as informações sobre os alimentos e os detalhes a respeito de porções e nutrientes só estão disponíveis em um site na internet (www.mypyramid.org), o que exclui ou, no mínimo, dificulta a consulta para quem não tem acesso fácil a um computador conectado à rede. "A nova "My Pyramid" não é realmente útil para ajudar nas escolhas de alimentos saudáveis", afirmou Walter Willett à Folha. "Se a pessoa pesquisar no site, vai encontrar alguma informação, mas ainda enfatizando grandes quantias de carboidratos, incluindo os refinados, e ainda demonstrando uma certa fobia em relação às gorduras em geral", aponta. PARA BRASILEIROS No Brasil, o Ministério da Saúde desenvolveu, em 2005, o "Guia Alimentar para a População Brasileira", baseado em uma coletânea de evidências científicas -nacionais e internacionais- produzidas principalmente nos últimos dez anos. O documento foi elaborado com base na cultura alimentar e nas tendências de consumo do brasileiro. "Portanto, qualquer comparação com orientações internacionais não é pertinente", afirma Fátima Carvalho, consultora técnica da Política Nacional de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde. O guia traz recomendações sobre alimentação saudável condizentes com o que preconizam os especialistas de Harvard: "A alimentação saudável deve incluir os carboidratos complexos em grande quantidade e fibras alimentares"; "os carboidratos simples devem compor a alimentação em quantidades bem reduzidas"; "substitua as gorduras saturadas por insaturadas e elimine as gorduras trans"; "dê preferência aos grãos integrais". Só que, para ter acesso a elas, no site do Ministério da Saúde (http://dtr2004.saude.gov.br/nutricao), é preciso ter computador conectado à internet. O documento não adotou nenhum ícone. Segundo Carvalho, se alguns setores do país utilizam a pirâmide alimentar, é porque até hoje o Brasil e o governo federal não tinham definido suas diretrizes alimentares nacionais. Um ícone -que ainda não se sabe se terá o formato de uma pirâmide ou não- representando essas diretrizes está em fase de "construção". ACESSO Para garantir que as informações sobre alimentação saudável cheguem até a população, o ministério tem outras estratégias. "O guia não é uma publicação dirigida ao público." Prioritariamente, ele se destina aos profissionais de saúde, às escolas formadoras desses profissionais, aos gestores públicos e aos demais profissionais que, direta ou indiretamente, trabalham com alimentação e nutrição. A CGPAN/MS (Coordenação da Política de Alimentação e Nutrição) está elaborando uma publicação destinada a instrumentalizar os profissionais da atenção básica à saúde no uso das diretrizes. Também serão criadas publicações mais sintéticas, destinadas especificamente às famílias brasileiras e às pessoas, individualmente", diz Carvalho. REPERCUSSÃO CONTRA - A pesquisadora Sonia Tucunduva Philippi, professora do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP, é autora de uma pirâmide brasileira, na qual o Ministério da Saúde se baseou em grande parte para elaborar o "Guia Alimentar para Crianças Menores de Dois Anos". Em sua essência, suas informações são idênticas às da original norte-americana. Para Philippi, as orientações do livro de Willett são apropriadas "para a população norte-americana, que tem hábitos alimentares inadequados e problemas graves de obesidade".
"Ele [Willett] recomenda suplementação e alimentos de forma inadequada. Se a alimentação for equilibrada e diversificada, não há necessidade de suplementação", diz. Em entrevista à Folha, Willett afirmou que as orientações propostas por Harvard são "bem gerais", porque a população norte-americana é formada por "várias culturas gastronômicas". Portanto, diz ele, sua pirâmide pode ser seguida no Brasil sem grandes mudanças. A FAVOR - O clínico-geral Paulo Olzon Monteiro da Silva, chefe da clínica médica da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), concorda com a posição dos especialistas de Harvard. "Acho que [esse assunto] é uma questão de saúde pública. Se investirmos na alimentação sugerida por Harvard, poderemos diminuir a incidência de várias doenças, como obesidade e diabetes", afirma. EM TERMOS - O presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, Marcio Mancini, diz que, "se conseguirmos um "padrão ouro" de alimentação, a pirâmide mais correta é a de Harvard". Mas ela pondera: "Quando falamos da população brasileira, que não tem muita diversidade na alimentação, a mensagem de reduzir ao máximo o nível de gorduras é importante. O ganho de peso na população mais pobre está sendo grande". Para ele, mensagens do tipo "consuma gorduras monoinsaturadas" são sofisticadas demais para a população de baixa renda do Brasil. "Falta uma orientação nutricional mais dirigida nos postos de saúde." Além disso, diz, o óleo de canola e os pães integrais disponíveis no mercado hoje são muito caros e pouco acessíveis para boa parte dos brasileiros. Monteiro da Silva rebate: "A dieta proposta por Harvard diminui a fome e, conseqüentemente, a quantidade de alimentos ingerida. Quanto mais carboidratos simples uma pessoa ingerir, mais fome vai sentir". Agradecimento: supermercado Pão de Açúcar Texto Anterior: Higiene: Na ponta da língua Próximo Texto: "Sou sem-vergonha para massas" Índice |
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