São Paulo, quinta-feira, 05 de fevereiro de 2004
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

s.o.s família rosely sayão

Abolir celular pode ser primeiro acordo do ano

Muitos pais já estão acostumados, no relacionamento com os filhos, com os chamados combinados. Trata-se de contratar com eles que cumpram determinadas responsabilidades, dêem conta das tarefas que lhes são destinadas, respeitem as regras que os pais determinam. Nesse tipo de educação, o papel dos pais é exercido de modo mais democrático e com mais pertinência, pois o filho é implicado nas questões que lhe dizem respeito, sabe com antecedência as conseqüências com que terá de arcar com suas decisões e, assim, é considerado parte ativa do processo educativo.
Mas claro que, sem o acompanhamento dos pais, nada acontece. Isso não quer dizer que o filho possa questionar qualquer coisa que os pais imponham. Nesse processo, ele percebe, aos poucos, que há coisas das quais os pais não abrem mão. Sobre outras questões, ele pode opinar e até produzir mudanças na maneira de elas serem conduzidas. Claro que, para isso, os pais precisam ouvir com atenção o que o filho diz e ter clareza do rumo que querem seguir na educação que praticam.
Muitos professores também já se acostumaram a conviver desse modo com seus alunos. Mas é preciso reconhecer que muitos deles -assim como muitos pais- constroem combinados de modo totalmente equivocado. Combinar supõe um acordo entre pessoas que ocupam lugares diferentes, e isso resulta em pactos. Despejar regras e tarefas sobre os alunos e, depois, arrematar com a expressão "estamos combinados?" é só uma outra maneira de se relacionar autoritariamente com eles.
Já que o ano escolar está no início, este é um bom momento para aquela famosa parceria família-escola ganhar cara nova. A relação entre pais e professores pode, por exemplo, basear-se em acordos. Discutidos e decididos logo no início da jornada, podem beneficiar todos os que se relacionam com o ambiente escolar, favorecendo a educação dos alunos.
Para ilustrar esta conversa, vou usar um exemplo simples: o hábito de alunos de diversas idades levarem o celular para a escola.
Vamos começar por refletir a respeito da adequação desse costume. Escola é lugar para levar celular? Não é preciso pensar muito para concluir que não. É mais ou menos a mesma coisa que a criança ou o jovem levar livros para uma danceteria, por exemplo. Caso isso ocorresse, seria bem difícil que ele, em um intervalo da música ou da conversa, aproveitasse para dar uma lida rápida, certo?
Mas o celular na escola é uma tentação permanente. Sempre o aluno vai achar que tem uma urgência para tratar com os pais ou com um colega ausente. Então, celular na escola é um elemento de distração, de desconcentração, de dispersão. Se muito adulto, que deveria saber controlar seus impulsos para se comportar como o ambiente em que está exige, não consegue fazer isso com o telefone, imagine como é difícil para a criança ou o jovem! E é por isso que o fato exige dos professores uma ação constante que poderia muito bem ser economizada para uso mais apropriado.
O professor já tem tarefas o suficiente a realizar com os alunos. Ensinar-lhes -e cobrar deles- a disciplina necessária à convivência democrática, promover a atenção dirigida e o esforço necessário ao se dirigir ao conhecimento e colaborar na organização dos conteúdos aprendidos já ocupa dos professores seu tempo de dedicação. Por que introduzir dificuldades extras? E a quem cabe poupar a escola dessas tarefas desnecessárias? Aos pais.
Eles até podem argumentar que o filho pode, realmente, precisar falar com eles. É possível, mas seria melhor que não precisasse. Nesse caso, a escola pode -isso, sim- ajudar o aluno a perceber se a questão é tão urgente ou se pode esperar. E, caso seja urgente, toda escola tem um telefone disponível para esse fim.
Esses acordos entre família e escola podem se transformar, de fato, em uma relação de colaboração para que cada um ocupe o seu lugar. Quem ganha com isso é a nova geração.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha); e-mail: roselys@uol.com.br


Texto Anterior: Como é o ataque às auto-imunes
Próximo Texto: Comprar material escolar é aula fora da escola
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.