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SAÚDE
Ponha a mão suja na boca!
JANE E. BRODY
DO "NEW YORK TIMES"
Se você perguntar às
mães por que os bebês
costumam apanhar
coisas do chão e colocá-las na boca, é provável que elas
respondam que se trata de instinto -é dessa maneira que eles
exploram o mundo que os cerca. Mas por que a boca, quando
a visão, a audição, o tato e o olfato são mais eficientes na
identificação das coisas?
Quando meus filhos eram
pequenos e exploravam as ruas
do Brooklyn, eu sempre imaginava que graça eles percebiam
em experimentar tijolos moídos ou cocô de cachorro seco
quando costumavam rejeitar
meu delicioso purê de batatas.
Já que comportamentos instintivos representam vantagem evolutiva -ou não teriam
sido retidos por milhões de
anos-, a probabilidade é que
isso também nos tenha ajudado
a sobreviver como espécie. E,
de fato, um acúmulo considerável de indícios parece sugerir
que comer sujeira faz bem.
Em estudos sobre o que os
cientistas chamam de "hipótese da higiene", pesquisadores
estão concluindo que organismos como os milhões de bactérias, vírus e especialmente vermes que penetram no corpo em
companhia da "sujeira" promovem o desenvolvimento de um
sistema imunológico saudável.
Diversos estudos longos sugerem que vermes podem ajudar
a redirecionar um sistema imunológico que tenha perdido a
orientação e, por isso, resultado
em doenças imunológicas, alergias e asma.
Esses estudos, acompanhados por observações epidemiológicas, parecem explicar por
que distúrbios do sistema imunológico como a esclerose múltipla, o diabetes tipo 1, as doenças inflamatórias dos intestinos, a asma e as alergias tenham apresentado elevação em
sua incidência nos EUA e demais países desenvolvidos.
"O que uma criança faz ao colocar coisas na boca é permitir
que seu mecanismo de resposta
imunológica explore o ambiente que a cerca", afirma Mary
Ruebush, professora de microbiologia e imunologia, em seu
novo livro, "Why Dirt Is Good"
[por que a sujeira faz bem].
"Não só isso permite o "treinamento" das respostas imunológicas de que o corpo precisará
para proteção como o processo
desempenha papel crucial em
ensinar ao sistema de resposta
imunológica sobre sinais que
ele deveria ignorar", afirma.
Um conhecido pesquisador
nesse campo, Joel Weinstock,
diretor de gastroenterologia e
hepatologia no Centro Médico
Tufts, em Boston, diz que o sistema imunológico, no nascimento, "é como um computador não programado, que precisa de instrução". Ele afirma que
medidas de saúde pública, como limpar a água e os alimentos contaminados, salvaram incontáveis crianças mas também "eliminaram a exposição a
organismos que provavelmente nos fazem bem".
"Crianças criadas em um ambiente ultralimpo não estão
sendo expostas a organismos
que as ajudam a desenvolver os
circuitos regulatórios adequados em seus sistemas imunológicos", diz.
Estudos que ele conduziu em
parceria com David Elliott, gastroenterologista e imunologista da Universidade de Iowa, nos
Estados Unidos, indicam que
os vermes intestinais, praticamente eliminados nos países
desenvolvidos, "provavelmente exercem o papel principal"
na regulagem do sistema imunológico para que responda de
maneira apropriada. Ele acrescentou que infecções bacterianas e virais parecem influenciar o sistema imunológico da
mesma maneira, mas não com
vigor comparável.
A maioria dos vermes pode
ser considera inofensiva, especialmente para as pessoas bem
nutridas, acredita Weinstock.
"Existem muito poucas doenças que as pessoas apanham
dos vermes", disse ele. "Os seres humanos se adaptaram à
presença da maioria deles".
Vermes para a saúde
Em estudos com camundongos, Weinstock e Elliott usaram
vermes para prevenir e reverter doenças do sistema imunológico. Na Argentina, portadores de esclerose múltipla infectados com o verme tricocéfalo
humano apresentaram menos
surtos da doença em um estudo
que durou quatro anos e meio.
Na Universidade do Wisconsin,
em Madison, o neurologista
John Fleming está testando se
o uso da versão porcina do tricocéfalo pode temperar os efeitos da esclerose múltipla.
Em Gâmbia, a erradicação de
vermes em algumas aldeias levou ao surgimento de reações
de pele mais intensas a agentes
alergênicos entre as crianças,
segundo David Elliott. E os tricocéfalos porcinos, que residem por curto período no aparelho intestinal humano, também tiveram "efeitos positivos"
no tratamento de doenças do
intestino, do mal de Crohn e da
colite ulcerosa.
Para Elliott, a regulagem
imunológica é entendida hoje
como um processo mais complexo do que parecia ser o caso
no momento em que o epidemiologista britânico David
Strachan introduziu a hipótese
da higiene, em 1989. Strachan
notou uma associação entre famílias grandes e uma incidência reduzida de asma e alergia.
Em resposta à pergunta "será
que somos limpos demais?",
Elliott responde que "a sujeira
tem seu preço. Mas a limpeza
também. Não estamos propondo uma volta aos ambientes repletos de germes de 1850. Mas
se compreendermos devidamente como os organismos do
ambiente nos protegem, talvez
possamos criar uma vacina ou
imitar seus efeitos por meio de
um estímulo inócuo".
Lave com moderação
Mary Ruebush, apesar de seu
livro sobre as vantagens da sujeira, também não sugere um
retorno à imundície. Mas ela
lembra que existem bactérias
em toda parte: dentro do nosso
corpo, sobre nosso corpo e em
tudo o que nos cerca. A maioria
desses micro-organismos não
causam problemas, e muitos
são essenciais à boa saúde.
"O ser humano típico abriga
cerca de 90 trilhões de micróbios. O fato de ter tantos micróbios de tipos diferentes é o que
o ajuda a se manter saudável na
maioria do tempo", escreveu.
Ela deplora o fetiche atual
por produtos antibacterianos
que transmitem uma sensação
de falsa segurança e podem fomentar o desenvolvimento de
bactérias resistentes a antibióticos e causadoras de doenças.
Limpeza requer apenas água e
sabonete comum, acredita.
"Certamente recomendo lavar as mãos depois de usar o banheiro, antes de comer, depois
de trocar uma fralda, antes e
depois de manusear alimentos,
e sempre que elas estiverem visivelmente sujas", escreveu.
Weinstock vai mais longe. "As
crianças deveriam ser autorizadas a brincar descalças na terra,
e deveriam ser autorizadas a
comer sem lavar as mãos", diz.
Ele e Elliott apontam que
crianças criadas em fazendas
muitas vezes crescem expostas
a vermes e outros organismos,
pelo contato com os animais
rurais, e sua probabilidade de
desenvolver alergias e doenças
imunológicas é muito menor.
Igualmente útil, diz ele, "é
permitir que as crianças tenham dois cachorros e um gato", o que as exporá a vermes
intestinais capazes de promover o desenvolvimento de um
sistema imunológico saudável.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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