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São Paulo, quinta-feira, 05 de junho de 2003
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s.o.s família - rosely sayão

O que o filho perde ao ser mimado pelos pais

É sempre oportuno falar sobre a proteção que os pais praticam com os filhos, já que ela tem se mostrado excessiva e inibitória. Mimo demais sempre é bom, não é? Claro que é, todos sabem disso. Mesmo o adulto, às vezes, bem que gostaria de ser mimado, poupado, ter seus caprichos atendidos. O problema se dá quando esse mimo impede o filho de aprender a enfrentar a vida e a se esforçar -e é o que tem acontecido muito. E quem sabe muito bem a esse respeito -até mais do que gostariam- são os educadores escolares.
A mãe de uma garota de 12 anos foi à escola reclamar do que estavam exigindo de sua filha por lá. É que a avaliação tinha chegado em casa: o rendimento era considerado inferior, e a menina declarara, tanto para a mãe como para a escola, que não gostava mesmo de estudar, que era muito chato ter de ler, resolver problemas e assistir a aulas todos os dias, que ela não tinha interesse nessas coisas e que gostava mesmo era de cozinhar e de desenhar.
O que foi a mãe dizer para a escola? Que os professores bem que poderiam entender que o talento da filha era outro, que poderiam avaliar a aluna de acordo com os interesses dela e que não concordava com a posição da escola. Agora vamos pensar no que pode significar uma atitude desse tipo, nada incomum hoje.
Em primeiro lugar, significa que os pais subestimam o potencial que os filhos têm para aprender a perseverar em uma atividade para dar conta dela e para se dedicarem com afinco quando são exigidos a encarar um desafio. E isso não é bom para a criança, que passa a acreditar que a vida gira em torno dos interesses dela, ou seja, do que gosta e do que não gosta de fazer. Além disso, a criança fica entregue a seus próprios caprichos e perde a grande chance de se encontrar com novas possibilidades de viver, que não considera por ser seu mundo centrado em si mesma.
Os pais também passam uma outra mensagem para o filho quando acolhem seu descontentamento com o estudo: o de que na vida não vale se esforçar por nada. Que as pessoas terão de aprender a conviver com ele do jeito que ele é. Há coisa mais prepotente e individualista do que essa? "Eu sou assim, você tem de me aceitar como sou" é a expressão que impossibilita diálogo, mudança, reflexão. Fora o fato de que é uma luta de poder, não é?
E mais: agindo assim, os pais ensinam também que, ao se defrontar com um limite, uma barreira, um obstáculo na vida, o melhor é recuar, abandonar, mudar de rumo, sem ao menos tentar para verificar se tal limite não pode ser superado.
E sabe que os pais que agem assim acreditam que fazem de tudo para preparar o filho para enfrentar um mundo competitivo ao extremo? Só que, ao mesmo tempo em que lotam a agenda do filho para que ele adquira competências e habilidades (esportes, línguas etc.), minam todo esse trabalho com o tipo de formação familiar que dão aos filhos quando defendem apenas seu bem-estar.
Dá para entender como é difícil para os pais seguir encorajando o filho a se esforçar e a perseverar nos estudos num mundo em que o prazer e a felicidade são perseguidos a qualquer custo. Mas é preciso, já que mesmo o prazer e a felicidade têm um custo: o do compromisso e o da coragem para enfrentar os riscos, por exemplo.
Ter ou não um bom desempenho escolar e uma boa relação com o conhecimento não é garantia de nada para a vida dos filhos nem para o futuro deles, infelizmente. Aliás, é preciso reconhecer que as escolas também não têm ajudado muito seus alunos a entender que o conhecimento exige disciplina e que nem sempre é prazeroso estudar no momento presente. Mas, se os pais acolhem as limitações dos filhos e não os encorajam nem os desafiam a pelo menos tentar se debruçar sobre o que consideram árduo, eles não vão aprender a se controlar, a fazer escolhas, a se dedicar a alguma coisa com convicção e dedicação.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br


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