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foco nela
Modelista cria moda para deficiente físico
Marcelo Barabani/Folha Imagem
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A professora Maria de Fátima Grave |
RODRIGO GERHARDT
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Uma profissional da área de moda decidiu se dedicar a um nicho nada glamouroso nem luxuoso do mundo fashion. Na
verdade, a um consumidor completamente ignorado pelo mercado: o deficiente físico. Maria de Fátima Grave começou a pesquisar esse nicho quatro
anos atrás, quando trabalhava no departamento de moda do Sesi, que ficava um
andar acima do centro de reabilitação de
deficientes físicos da entidade. Certa vez,
foi procurada por uma assistente social
do andar de baixo para ajudar um menino com hidrocefalia (aumento patológico da quantidade de líquido cefalorraquidiano no crânio) a se vestir.
Grave foi então às compras em busca
de uma roupa apropriada ao problema
do menino, mas não encontrou nenhuma peça que servisse. Criou então o seu
primeiro modelo ergonômico para deficiente e não parou mais de estudar o assunto, sempre com o apoio técnico de
um médico -o ortopedista e homeopata
José Carlos Teixeira do Valle- e, há alguns meses, da Fundação Selma, especializada em neurologia.
"Até um bebê consegue tirar uma fralda que está
incomodando, mas já vi crianças em cadeira de rodas com
escaras causadas pelas costuras da roupa. Existe um
estresse muito grande causado pelo vestuário"
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Há pouco mais de um mês, a professora
causou um furor na 2ª Feira Internacional de Tecnologias em Reabilitação (Reatech), quando apresentou um desfile
com 14 deficientes em cadeiras de rodas e
muletas vestindo modelos exclusivos e
ergonômicos. Leia a entrevista abaixo.
Folha - Qual a dificuldade que os deficientes físicos encontram para se vestir?
Maria de Fátima Grave - Pessoas com deficiência nas mãos podem levar até 20 minutos para abotoar uma camisa. Quem
tem sensibilidade só em uma mão, por
exemplo, não consegue colocar uma calça normal, com zíper ou botão; a peça sobe enroscando no joelho. Se falta sensibilidade em uma das pernas, você não imagina o que um bolso, um zíper ou uma
costura grossa fazem. Até um bebê consegue tirar uma fralda que está incomodando, mas já vi crianças em cadeira de
rodas com escaras causadas pelas costuras da roupa. Existe um estresse muito
grande causado pelo vestuário. Conheci
um senhor de idade que usava várias Havaianas amarradas ao corpo para não se
machucar quando se arrastava. Ele tem
de ter uma alternativa.
Folha - E como a modelagem ergonômica
pode ajudá-los?
Grave - A ergonomia trata da linguagem
do corpo, das suas formas e dos seus movimentos. Nesse conceito, buscamos resgatar as funções dos recortes e das costuras, a posição dos pontos e dos bolsos, valorizando a liberdade e levando em conta
um ser que pensa, que sente e que age.
Não é apenas sair colocando velcros nas
roupas, mas analisar como o indivíduo
vai interagir com eles. Quase todo deficiente físico usa bolsas para carregar documento, dinheiro ou caneta, porque eles
são ativos, mas acham o acessório feio. Aí
aderimos ao utilitário, um bolso feito
com o próprio tecido e com velcro, que
pode ser fixado à roupa e tirado quando a
pessoa quiser. É possível fazer uma modelagem ergonômica, uma roupa com
caimento perfeito, elegante e que não
prejudique o corpo.
Folha - O seu trabalho é personalizado?
Grave - Não personalizamos o indivíduo, mas o tipo de deficiência. É certo
que ela se apresenta em níveis diferentes
em cada indivíduo, mas temos referências para as diversas situações. No caso
dos cadeirantes, por exemplo, a frente
das roupas é muito mais valorizada do
que a parte de trás, já que ele fica sentado
a maior parte do tempo. Estamos tentando montar um centro de vendas na Fundação Selma, mas procuro patrocínio. E
esse é um público grande no Brasil, são
cerca de 24 milhões de deficientes no
país.
Folha - Como deve ser a roupa para pessoas que tiveram um membro amputado,
por exemplo?
Grave - Elas gostam que a roupa cubra a
falta do membro. Descobri que, muito
mais do que a vergonha de expor a deficiência, os amputados têm a sensação de
que o braço é mais comprido quando
usam uma camisa com a manga balançando ao caminharem. Apenas devem
ser utilizados materiais mais firmes para
disfarçar, mas não há muita diferença.
Os recortes devem proporcionar um
bom caimento no corpo, com equilíbrio
e simetria no tronco.
Folha - Como a sua pesquisa foi feita?
Grave - Nestes quatro anos, visitei centros de reabilitação e fiz entrevistas com vários perfis de deficiente, dos cadeirantes que ficam próximos aos semáforos
até os dos times de basquete formados
por atletas paraplégicos. Ouvi fisioterapeutas e médicos do Hospital das Clínicas de São Paulo. No final do ano, pretendo lançar um livro com tudo o que consegui reunir e produzir sobre o assunto.
Folha - Enfrentou dificuldades?
Grave - Sim. A falta de informações e o
preconceito foram as principais. Fiz um
curso de moda na França e busquei informações nos Estados Unidos e na Bélgica, sem sucesso. No Brasil, cheguei a
ouvir em um centro acadêmico de uma
universidade que eu estava querendo colocar uma fechadura numa porta torta.
Folha - O aspecto estético da roupa ergonômica não é descartado?
Grave - Eu não me preocupo com as
tendências de moda, mas faço questão de
ter um designer têxtil trabalhando comigo. Ser belo nos faz sentir melhor interiormente. A moda não é só das patricinhas e mauricinhos que estão por aí.
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