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Questões existenciais são discutidas no trabalho; a meta é valorizar o autoconhecimento em prol da produtividade
Empresas focam desejos e valores dos funcionários
ANTONIO ARRUDA
DA REPORTAGEM LOCAL
Compaixão ou Competição? Esse
foi o tema sobre o qual o dalai-lama falou a empresários de diversos
países da Europa em um dos primeiros encontros do gênero, ocorrido
em Amsterdã (Holanda), em 1999.
Na semana passada, em SP, executivos de cerca de 80 empresas
de 18 Estados brasileiros participaram do seminário Liderança e
Espiritualidade Corporativa.
Na semana que vem, em San
Francisco (EUA), acontece a Spirit in Business World Conference
(conferência mundial de espiritualidade nos negócios), com empresários que vão discutir como
desenvolver a espiritualidade no
ambiente empresarial.
Espiritualidade nos negócios?
Ao contrário do que possa parecer, nada tem a ver com incenso
aceso em sala de reunião ou negociações precedidas de reza. Muitos consultores preferem evitar o termo, já que ele é frequentemente associado à religião.
Os eventos internacionais citados integram um movimento que
cresce cada vez mais no meio corporativo: a administração do pessoal e dos negócios a partir de preceitos holísticos. Isso significa
compreender o ser humano além
do seu aspecto profissional, ou seja, em sua integridade física, mental, emocional e espiritual.
Em grandes empresas, diretores, gerentes e toda sorte de funcionários já incorporaram ao seu vocabulário, ao lado de termos do jargão, como metas estabelecidas, ganhos conquistados, força produtiva, planilhas e custos, palavras como unicidade, aura, profundidade emocional, inspiração
verdadeira e tranquilidade de alma e de coração.
Isso porque as empresas acreditam que um funcionário que reflete sobre sua "missão" no mundo, identifica-a e realiza suas atividades profissionais segundo
suas aspirações e seus valores
produz mais, trazendo mais ganhos para a empresa.
"Uma empresa que se pauta somente pela lógica e pelo que é material e visível e se esquece de
olhar além, de vislumbrar o funcionário em suas emoções, desejos e fraquezas, está lidando mal
com sua principal riqueza, que é o
ser humano", diz o consultor empresarial Jair Moggi.
Ruptura da alienação
Um exemplo de como a chamada administração holística pode intervir na vida profissional de um trabalhador: um funcionário que
trabalha em uma indústria de tabaco vive brigando com a mulher
porque ela é fumante e ele detesta
cigarro.
A empresa que oferece ferramentas (leia a lista na pág.13) para
os seus funcionários refletirem
sobre valores humanos pode levar esse trabalhador da fábrica de
cigarro a identificar o mal-estar
que está lhe causando a incoerência entre o que pensa e faz no trabalho. Se isso levar a empresa a
perdê-lo, ainda assim ela está ganhando, garantem especialistas.
"A empresa que age assim tem
uma função social; está vendo
além de seus muros, pois prepara
cidadãos mais éticos. Ela corre o
risco de que alguém do departamento financeiro se descubra um
profissional de RH por natureza e
mude de empresa? Corre, mas
melhor isso do que um funcionário insatisfeito e infeliz", diz Bene
Catanante, psicóloga organizacional e professora do instituto
Sedes Sapientiae.
A empresa de tecnologia Asea
Brown Bovery (ABB) realiza regularmente um seminário "antroposófico" chamado Insight, no qual não se fala da empresa ou do
mercado, só de pessoas.
Durante quatro dias, explica
Osvaldo Esteves, diretor de desenvolvimento humano e organizacional da ABB, "os dramas individuais são "cutucados", há um
processo de sensibilização que
promove o autoconhecimento".
E, sabendo das transformações
que a atividade pode causar, a
empresa alerta para que ninguém
tome nenhuma decisão radical
nas duas semanas seguintes ao
evento. Mesmo assim, "é comum
um ou outro ir embora depois
dessa introspecção", diz Esteves.
O resultado desse processo pode também confirmar para o funcionário que ele realmente faz o
que gosta, e isso vai levá-lo a se
empenhar cada vez mais. "A empresa pode ter certeza de que ele
será mais responsável e consciente na hora de fazer escolhas", diz
Catanante.
De acordo com o filósofo e colunista da Folha Mario Sergio Cortella, o que acontece é que esses
processos levam a uma ruptura
da alienação da consciência.
Ser adestrado
Segundo Cortella, há 30 anos era grande o número
de empresas que queriam o trabalhador alienado. "Hoje, o que eu
chamo de esquizofrenia laboral parece estar diminuindo. Empresas
dotadas de inteligência estratégica e
ética vão seguir esse rumo", diz.
O consultor empresarial Herbet
Steinberg aponta para uma mudança no mundo empresarial: a ética do
dever está cedendo espaço à ética do
prazer, do acreditar, do ser consciente do seu quadro de valores.
"Com isso, as empresas conquistam
uma aura, uma identidade visível."
Com esse objetivo, a Método Engenharia desenvolveu o encontro
Sensibilização de Sonho e Causa.
Durante um final de semana, diretores e gerentes são convidados a sonhar o futuro da empresa para 2005.
A razão, segundo o presidente, Hugo Marques da Rosa: "Só a partir das
crenças dos funcionários podemos
definir nossa verdadeira crença".
Na seguradora Porto Seguro, o emocional sempre é abordado nos treinamentos, diz Manoel Sabino Neto, diretor de planejamento e recursos humanos. "Um recurso da antroposofia que utilizamos é a euritmia: execução de movimentos livres a partir de uma música."
No segundo semestre, uma das maiores empresas em telefonia celular promete oferecer aos seus funcionários um programa de debates a partir de uma visão holística. Eles ainda não sabem da inovação.
Já na empresa de alimentos Nutrimental, a norma é: ninguém é um
ser adestrado que cumpre normas estáticas estabelecidas por manuais.
O presidente, Rodrigo Rocha Loures, diz: "Conceitos universais como
amor, paz e compreensão são fenômenos subjetivos que devem presidir aqueles visíveis e objetivos, que são quase sempre os mais valorizados pelo empresariado tradicional".
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