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drible a neura
Nem todo idoso precisa parar de dirigir
Marcelo Barabani/Folha Imagem
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Lilian Guarda (no centro) encoraja a tia Georgina, 81, e o sogro, Agostinho, 79, a continuarem dirigindo
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Marcelo Barabani/Folha Imagem
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A habilidade de Jeanete Marchiori, 69, na direção é elogiada pelos filhos |
DAYANNE MIKEVIS
FREE-LANCE PARA A FOLHA
A idade chega, e os reflexos já não são os mesmos. É hora de aposentar o volante, certo? Talvez não. Embora os filhos se preocupem com
os pais em idade avançada que continuam dirigindo, a família só deve intervir em última instância: se o idoso apresentar distúrbios cognitivos ou
perder a capacidade de perceber o perigo.
O mais comum é que os próprios idosos identifiquem quando parar, diz o geriatra Clineo de Mello
Almada Filho, do Centro de Estudos em Envelhecimento da Unifesp. E, antes de chegar ao extremo de
proibir, é preferível negociar horários ou perímetros mais seguros para dirigir.
Almada, por exemplo, combinou com o sogro,
que tem 83 anos, os melhores horários e locais para
ele guiar em São Paulo: aos domingos ou nos fins
de tarde e apenas no Jabaquara (zona sul), bairro
onde ele mora.
Às vezes, porém, é necessário um pequeno "empurrãozinho" da realidade para que os idosos percebam que é melhor só circular de carro como passageiro. Uma das pacientes de Almada, de 90 anos,
por exemplo, só resolveu abandonar de vez o volante quando bateu em um carro parado no estacionamento da clínica e se deu conta de que seus reflexos já não funcionavam tão bem como antes.
Risco de acidente
Quando a integridade física
do idoso (e de terceiros) entra em jogo, é preciso
mesmo intervir, afirma Maria Célia de Abreu, psicóloga especializada em maturidade.
Essa é a preocupação da dona-de-casa de 51 anos,
que pediu para ser identificada pelo nome fictício
de Cíntia. O pai, de 81 anos, ainda dirige em São
Paulo, embora tenha sido proibido de pegar no volante por seu cardiologista. Ele teve isquemias cerebrais, que ocorrem quando há interrupção no fluxo
sanguíneo para uma determinada região do cérebro. Dependendo da gravidade, uma isquemia pode prejudicar o desempenho neuropsicológico.
Na primeira vez que os sintomas se manifestaram, seu pai subiu com o carro na calçada e, na segunda, não conseguiu sair de um estacionamento.
Recentemente, ele se envolveu num acidente leve
com um ônibus. "Não penso só na vida dele, mas
na dos outros também", diz Cíntia. Mas o pai continua se recusando a deixar o volante.
Em situações assim, a família pode usar a argumentação legal, além da médica. Se um idoso sem
condições de dirigir usar o carro de alguém da família e se envolver em um acidente, o dono do veículo pode ter de responder civil e criminalmente,
mesmo que seu parente seja habilitado, explica o
presidente da Associação Brasileira de Advogados
Criminalistas, Luiz Flavio Borges d'Urso.
Se é hora de arquivar a carteira de habilitação e o
idoso é muito resistente, a família deve procurar a
ajuda de um especialista, diz o psicólogo José Carlos Ferrigno, da Gerência de Estudos da Terceira
Idade do Sesc/SP.
Muita conversa e carinho são as ferramentas indicadas. A intervenção não deve ser feita de forma
brusca, e sim negociada e com respaldo médico.
Mas a decisão não pode ser jogada nos ombros do
profissional de saúde, alerta Almada. Afinal, diz
Ferrigno, é a família quem melhor conhece o idoso
e deve saber lidar com ele.
Só no litoral
Foi a intervenção -suave- da família e do médico que fez que o engenheiro aposentado Domingos Galeta, 82, abandonasse as ruas
paulistanas e passasse a guiar somente em Itanhaém (litoral sul, a 98 km da capital), onde ele
possui uma casa de veraneio.
Galeta diz que nenhum de seus sete filhos chegou
a pedir para que ele deixasse de guiar na capital,
mas as insinuações eram constantes. "Eles me diziam: "Pai, o trânsito em São Paulo é muito perigoso até para nós"."
Ser proibido bruscamente pela família de dirigir
"é uma violência", afirma a psicanalista Belinda
Mandelbaum, do Laboratório de Estudos da Família do Instituto de Psicologia da USP. Se proibir for
inevitável, a psicanalista recomenda que a família
estimule o idoso a fazer caminhadas, a praticar atividades físicas e a intensificar a convivência com
outras pessoas para compensar ou diminuir a frustração de ter deixado de guiar (leia mais dicas na
pág. ao lado).
A psicóloga Maria Célia de Abreu sugere que o
idoso utilize o transporte público, principalmente o
metrô, e que reclame das linhas de ônibus que abusam da velocidade e desrespeitam os mais velhos.
"Ele tem de compensar, de reagir, não pode ficar
dentro de casa", afirma.
Sabendo o quanto é importante continuar dirigindo, Lilian Menin Guarda, 51, encoraja seus parentes idosos. Seu sogro, Agostinho, 77, só deixou
de dirigir à noite. Já a tia Georgina, 81, assume a direção quando não está atrasada e se sente bem.
Guarda não descarta uma intervenção no futuro.
"Quando falhar a autocensura em relação ao carro,
ela vai falhar em relação a outras coisas também. Aí
vou ter de botar a mão." Mas, por enquanto, ela respeita a vontade que ambos manifestam de continuar dirigindo, sob a qual vê um sentimento de orgulho e um desejo de independência.
Sem preconceito
Pilotar o próprio automóvel
e ir para onde quiser, sem depender de ninguém,
pode ser mesmo importante. "Dirigir significa autonomia, participar do movimento na rua e no
mundo", diz a psicanalista da USP Belinda Mandelbaum. Segundo ela, como a sociedade cultua a juventude, o idoso acaba ficando sem lugar nem função. Surgem então idéias preconcebidas, como
"idosos não podem dirigir".
Mandelbaum alerta que, muitas vezes, a família
infantiliza os mais velhos e por isso não conversa o
suficiente com eles. Sem diálogo, o risco de cometer
injustiças e agir preconceituosamente aumenta.
Por isso cada caso deve ser analisado individualmente, orienta a psicanalista.
Desse tipo de injustiça, a costureira aposentada
Jeanete Regina Marchiori, 69, está livre. Seus filhos
até a incentivam a continuar dirigindo. Ela passa
por um check-up anual e não pega no volante em
rodovias seguindo conselho médico, pois tem labirintite. "Meu filho diz que eu só não dirijo melhor
do que ele, mas ele é piloto de kart."
Medo mesmo Marchiori diz que tem é dos jovens. "Eu sou muito cuidadosa, vou devagarinho,
mas não confio nesses motoristas mocinhos." Ela
tem uma certa dose de razão. De acordo com Mandelbaum, o motorista idoso costuma ter qualidades
como calma e prudência. Já os jovens podem adotar atitudes irresponsáveis -e as empresas de seguro sabem disso (leia mais acima).
Saúde em dia
O Código de Trânsito Brasileiro
exige que, ao completar 65 anos, o motorista renove sua carteira de três em três anos. A condição para renová-la é a mesma enfrentada pelos motoristas mais jovens: passar no exame médico.
Entre os problemas físicos que podem comprometer a capacidade de dirigir, os oftalmológicos
são bem frequentes. A oftalmologista Ana Luísa
Hofling-Lima recomenda um exame anual para
detectar doenças como catarata (causa uma diminuição global da visão), glaucoma (afeta a visão lateral), degeneração macular (prejudica a visão central) e retinose pigmentária (dificulta a acomodação entre claro e escuro, causando uma sensação
temporária de cegueira quando a pessoa sai de um
túnel, por exemplo).
O geriatra Clineo Almada recomenda check-up
anual mesmo para os idosos saudáveis. Tanto ele
como a oftalmologista insistem em que um membro da família acompanhe todas as consultas, mas
mantendo sempre uma atitude aberta, de diálogo, e
não fiscalizadora.
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