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São Paulo, quinta-feira, 06 de março de 2003
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s.o.s. família rosely sayão

Como para Sansão, cabelo comprido dá força a garotos

Recentemente uma leitora escreveu, toda queixosa, sobre o comportamento dos filhos, todos em época de adolescência. Essa mãe corajosa -ela tem três filhos- e dedicada reclamava de que os filhos estavam negando tudo o que ela havia ensinado. E quem é mãe ou pai sabe muito bem o quanto a educação dos filhos é trabalhosa.
De um ela dizia que era desleixado com as próprias roupas, com o material que levava para a escola, com os utensílios da casa que usava. De outro lamentava a linguagem estranha que usava e os cabelos longos. E da última lastimava as horas penduradas ao telefone e as conversas cochichadas que ela não mais podia ouvir. Mas os cabelos longos parece que são o que mais incomoda nossa leitora.
Já tivemos a oportunidade aqui de esclarecer que o adolescente, ao contrário do que parece, não esqueceu nem abandonou os valores, a moral e os costumes familiares que aprendeu e que herdou de seus pais. Na verdade, quanto mais ele se expressa de modo oposto, mais se sente fortemente influenciado pela educação que recebeu. Só que quem recebe uma herança -uma casa, por exemplo- dos pais em geral a transforma, para que se torne sua. E é esse um dos trabalhos que o adolescente faz nessa época: transforma e modifica o que recebeu para se apropriar dessa herança e, assim, se comprometer e se identificar com ela.
Também já comentamos que é nessa fase da vida que o filho troca de turma. Se antes suas principais referências eram os pais, agora são os amigos, sua turma, sua tribo. E, assim, como antes ele se vestia de modo a mostrar sua identificação com os pais, agora faz de tudo para, com sua aparência, mostrar a qual grupo está vinculado.
O comprimento dos cabelos, por exemplo, é uma maneira de o filho deixar bem claro a seus pais que ele já não está totalmente sob a tutela deles: tem suas opiniões, sua estética, sua linguagem. Agora, ele se comunica melhor com pessoas que partilham desses novos códigos.
E o que acontece se os pais não entendem nem aceitam esse comportamento tão diferente, essa identidade tão diversa? Vamos supor -não foi essa a intenção expressa na carta- que nossa leitora resolvesse fazer o filho cortar os cabelos. Lembram-se da história de Sansão? Pois é: o forte, depois de ser enganado e traído por Dalila, foi vencido por seus opositores quando teve os cabelos cortados. Frágil e fraco, finalmente foi preso e isolado.
É justamente a filiação a um novo grupo, que agora substitui a família, que dá ao adolescente a sensação de "pertencimento", tão importante para que ele tenha forças para enfrentar os desafios da vida, agora sem a proteção e a retaguarda dos pais. Sua proteção agora é outra, mas continua ligada a um grupo. Desprovido daquilo que considera um emblema -no caso, os cabelos-, o adolescente corre o risco de sentir-se igual aos pais. Diferente, portanto, de seus pares. Deslocado de seu novo lugar.
Mas é bom lembrar que a história de Sansão não termina aí. Enquanto aprisionado, seus cabelos voltam a crescer, e ele readquire sua força. É então que, na primeira oportunidade, encontra chance para se vingar. Usando de sua força revigorada, ele destrói a fortaleza que protege os poderosos que o tornaram fraco e os mata. Mas, para tanto, sacrifica-se também.
Os pais não precisam -aliás, não devem- tornar-se cúmplices do novo estilo que o filho adota. Compreender e aceitar não significa acatar. Basta respeitar, o que pode significar permitir, mas adequar, entender e impedir e/ ou limitar quando for o caso. E, claro, encorajar e ajudar o filho a reencontrar a sua força, caso ele a tenha localizado em algo equivocado, de forma mais adequada.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br.


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