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s.o.s. família rosely sayão
Como para Sansão, cabelo comprido dá força a garotos
Recentemente uma leitora escreveu, toda
queixosa, sobre o comportamento dos filhos, todos em época de adolescência. Essa
mãe corajosa -ela tem três filhos- e dedicada reclamava de que os filhos estavam negando tudo o que ela havia ensinado. E quem é mãe ou pai sabe muito bem o quanto a educação dos filhos é trabalhosa.
De um ela dizia que era desleixado com as
próprias roupas, com o material que levava
para a escola, com os utensílios da casa que
usava. De outro lamentava a linguagem estranha que usava e os cabelos longos. E da última
lastimava as horas penduradas ao telefone e as
conversas cochichadas que ela não mais podia
ouvir. Mas os cabelos longos parece que são o
que mais incomoda nossa leitora.
Já tivemos a oportunidade aqui de esclarecer
que o adolescente, ao contrário do que parece,
não esqueceu nem abandonou os valores, a
moral e os costumes familiares que aprendeu
e que herdou de seus pais. Na verdade, quanto
mais ele se expressa de modo oposto, mais se
sente fortemente influenciado pela educação
que recebeu. Só que quem recebe uma herança -uma casa, por exemplo- dos pais em
geral a transforma, para que se torne sua. E é
esse um dos trabalhos que o adolescente faz
nessa época: transforma e modifica o que recebeu para se apropriar dessa herança e, assim, se comprometer e se identificar com ela.
Também já comentamos que é nessa fase da
vida que o filho troca de turma. Se antes suas
principais referências eram os pais, agora são
os amigos, sua turma, sua tribo. E, assim, como antes ele se vestia de modo a mostrar sua
identificação com os pais, agora faz de tudo
para, com sua aparência, mostrar a qual grupo
está vinculado.
O comprimento dos cabelos, por exemplo, é
uma maneira de o filho deixar bem claro a
seus pais que ele já não está totalmente sob a
tutela deles: tem suas opiniões, sua estética,
sua linguagem. Agora, ele se comunica melhor
com pessoas que partilham desses novos códigos.
E o que acontece se os pais não entendem
nem aceitam esse comportamento tão diferente, essa identidade tão diversa? Vamos supor -não foi essa a intenção expressa na carta- que nossa leitora resolvesse fazer o filho
cortar os cabelos. Lembram-se da história de
Sansão? Pois é: o forte, depois de ser enganado
e traído por Dalila, foi vencido por seus opositores quando teve os cabelos cortados. Frágil e
fraco, finalmente foi preso e isolado.
É justamente a filiação a um novo grupo,
que agora substitui a família, que dá ao adolescente a sensação de "pertencimento", tão importante para que ele tenha forças para enfrentar os desafios da vida, agora sem a proteção e a retaguarda dos pais. Sua proteção agora é outra, mas continua ligada a um grupo.
Desprovido daquilo que considera um emblema -no caso, os cabelos-, o adolescente
corre o risco de sentir-se igual aos pais. Diferente, portanto, de seus pares. Deslocado de
seu novo lugar.
Mas é bom lembrar que a história de Sansão
não termina aí. Enquanto aprisionado, seus
cabelos voltam a crescer, e ele readquire sua
força. É então que, na primeira oportunidade,
encontra chance para se vingar. Usando de
sua força revigorada, ele destrói a fortaleza
que protege os poderosos que o tornaram fraco e os mata. Mas, para tanto, sacrifica-se também.
Os pais não precisam -aliás, não devem-
tornar-se cúmplices do novo estilo que o filho
adota. Compreender e aceitar não significa
acatar. Basta respeitar, o que pode significar
permitir, mas adequar, entender e impedir e/
ou limitar quando for o caso. E, claro, encorajar e ajudar o filho a reencontrar a sua força,
caso ele a tenha localizado em algo equivocado, de forma mais adequada.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e
autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br.
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