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foco nele
Médico relaciona violência com cesárea
ROGERIO WASSERMANN
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DE LONDRES
Qual o futuro de uma sociedade na qual
a maioria dos bebês nasce por cesárea? A
pergunta é do obstetra francês Michel
Odent, 73, que acaba de lançar o livro
"The Cesarean" (a cesárea) no Reino
Unido, onde vive. Pioneiro nos anos 70
da tese da humanização do parto e dos
partos em piscina, para ele, bebês nascidos por cesárea podem desenvolver problemas físicos e psicológicos por não teriam tido contato com um coquetel de
hormônios liberado pela mãe em um
parto normal.
Odent, que deve participar neste mês
de uma conferência sobre o tema ecologia no parto, no Rio de Janeiro, não é
contra as cesáreas. "O problema é que esquecemos completamente a finalidade
do trabalho de parto". Comparando a alta taxa de cesáreas em São Paulo (cerca
de 80%) à baixa incidência em Amsterdã
(10%), na Holanda, ele relaciona a questão ao problema da violência urbana. "É
possível andar à noite nas ruas de Amsterdã, mas seria suicídio fazer o mesmo
em São Paulo", afirma ele em seu livro.
Leia a entrevista abaixo.
Folha - Cesáreas são ruins?
Michel Odent - Não, pelo contrário. É
uma operação magnífica, que pode salvar a vida de bebês e de mães. Mas é originalmente uma operação de resgate. O
problema é que esquecemos completamente a finalidade do trabalho de parto.
Há cada vez mais cesáreas. No parto normal, há a liberação de um coquetel de
hormônios, que podemos chamar de
hormônios do amor, que aumenta a capacidade da mãe e do bebê de amar. Minha preocupação é discutir qual será o
futuro da civilização após duas, três ou
quatro gerações de pessoas nascidas majoritariamente dessa maneira.
Folha - Qual a relação entre cesáreas e
violência?
Odent - Encontro alguma relação entre
a forma como as mulheres dão à luz e o
grau de segurança em São Paulo e Amsterdã. Não existe ainda uma prova científica dessa relação, mas é preciso levantar
a questão. Se comparamos os contrários,
São Paulo, com 80% de cesáreas, e Amsterdã, com 10%, é possível encontrar uma
correlação. Em Amsterdã, você pode andar sozinho na rua, de madrugada. O
mesmo acontece em Tóquio ou em Estocolmo, que têm também poucas cesáreas.
No meio do caminho estão Nova York,
Paris ou Londres, com taxas não tão baixas de cesáreas e criminalidade mediana.
Folha - Um bebê nascido por cesárea é
um adulto problemático em potencial?
Odent - Não podemos pensar em termos individuais, porque esse efeito é
muito difícil de ser detectado em humanos. É bem mais fácil verificar isso com
outros mamíferos. Quando fazemos uma
cesárea em uma fêmea de macaco, por
exemplo, a mãe não se interessa pelo bebê. Entre humanos a relação não é tão direta, porque somos capazes de raciocinar.
Folha - Muitas mulheres preferem as cesáreas porque crêem que é mais segura, temem a dor do parto ou preferem escolher
dia e hora do nascimento.
Odent - Precisamos aprender a pensar a
longo prazo, em termos de civilização.
Estamos descobrindo que o modo como
nascemos tem conseqüências para toda a
vida. Na sociedade moderna, as pessoas
preferem ter filhos por cesariana porque
pensam a curto prazo. Precisamos nos
condicionar a pensar a longo prazo. Essa
é a razão do meu livro. Podemos entender a atitude dessas mulheres, mas precisamos também ter alguma responsabilidade sobre o que acontecerá à civilização.
Folha - Os médicos também têm culpa
pelo alto número de cesáreas?
Odent - Logicamente, para os médicos é
muito mais fácil e confortável dizer "Venha para a cesárea na quarta-feira, às
10h". Mas a origem disso é que, provavelmente, os médicos não entendem as necessidades de uma mulher em trabalho
de parto. As parteiras desapareceram. O
papel da parteira é dar conforto à mulher,
ser uma espécie de mãe, fazê-la sentir-se
segura. Países como Suécia, Holanda ou
Japão, onde há relativamente um pequeno número de obstetras, mas bem treinados para casos especiais, e muitas parteiras para o cuidado básico, realizam um
pequeno número de cesáreas. No Brasil,
há tantos obstetras que eles não são especialistas, estão presentes em todos os
nascimentos. O mesmo ocorre nos EUA
e na China. A China tem muitas similaridades com o Brasil. As parteiras sumiram, e há muitos médicos que fazem cesáreas como uma forma normal de dar à
luz.
Folha - Os partos devem deixar de ser
tratados como uma questão médica?
Odent - A prioridade deve ser redescobrir as necessidades básicas das mulheres, que são iguais às de todos os mamíferos quando dão à luz. Elas precisam de
privacidade e segurança. Se uma fêmea
está pronta para dar à luz no meio da mata, mas vê alguma ameaça, há uma descarga de adrenalina, e o parto é adiado.
Ela só dará à luz quando se sentir segura.
Isso acontece com as mulheres.
Folha - Então o ambiente hospitalar é
ruim para o parto?
Odent - O processo de nascimento está
muito relacionado ao ambiente. É quase
impossível para as mulheres darem à luz
em um hospital, onde estão cercadas por
pessoas que não entendem suas necessidades. Reduzir as cesáreas não deve ser o
principal objetivo. Em Londres, por
exemplo, os médicos tentam de tudo para evitar a cesárea: drogas, anestesia, fórceps. Mas, no final, são obrigados a fazer
a cesariana. Precisamos evitar essas tentativas, porque são perigosas. O objetivo
básico é redescobrir as necessidades da
mulher em trabalho de parto para satisfazê-la. O resto é conseqüência.
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