São Paulo, quinta-feira, 06 de junho de 2002
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outras idéias

mauricio de araújo lima

A história do homem nos jogos

Eu nunca poderia imaginar que o presente que queria naquele Natal seria tão ligado ao meu futuro. Meu avô era um comerciante das antigas e em seu bazar na cidade do interior de Minas tinha que ter tudo que o cliente pedisse. Senão ele ficava zangado com o pobre coitado que se descuidara do estoque.
Sua loja era o paraíso das crianças da cidade e, naquele ano, haviam lançado o Jogo da Realidade que fizera meus olhos brilharem quando o vi na vitrine. Meu pai teve que fazer das tripas coração para comprá-lo (os tempos não andavam fáceis já naquela época), mas eu não podia viver sem aquele desafio de estratégia e inteligência.
Eu me lembrei muito disso quando, no final do último mês de abril, estive em Barcelona participando de um evento com dezenas de interessados em jogos de tabuleiro. Eram estudiosos ingleses, holandeses, indianos, suíços, americanos, entre outros. E falamos, por exemplo, sobre as novas descobertas de jogos ancestrais na Índia. Lá, os ingleses do Museu Britânico estão realizando uma pesquisa nas aldeias mais remotas, porque os computadores estão substituindo os velhos hábitos e muitos conhecimentos milenares estão a ponto de desaparecerem.
Nessa hora é bom saber que não existe nenhum jogo que não tenha origem em algum outro criado anteriormente. Até mesmo quando sentamos em frente a um computador e manipulamos a vida da família Sims (um jogo eletrônico muito popular hoje em dia) estamos utilizando um conhecimento antigo de estratégia e sorte. E fico pensando: existe muita pesquisa a ser feita no Brasil.
Durante o evento com especialistas de todo mundo, eu fiquei sabendo que um jogo praticado no sul de Minas Gerais e chamado Onça e Cachorros, tem similares tanto na Bolívia quanto no Peru e, provavelmente, é uma derivação de um exemplar inca. Por outro lado, sabemos também que os africanos trouxeram para o Brasil um jogo que aqui se chamou Adi e que até hoje tem uma derivação muito forte na cultura afro-brasileira: o jogo de búzios.
A história dos jogos se confunde com a história do homem no planeta Terra e seu conhecimento é uma forma do homem também se conhecer. E chego a acreditar que a criação de novos entretenimentos para tornar a vida mais saudável e feliz, também depende da disposição que tenhamos hoje na decifração de segredos de nosso passado.
O Brasil é um país fantástico porque muito coisa ainda está por ser feita. E esse desafio deve nos motivar cada vez mais a buscar soluções originais que não precisem passar pela aprovação do governo ou a boa vontade de organismos internacionais. Nós mesmos devemos ir a campo e pesquisar os tesouros escondidos nas diversas regiões de nosso país.



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