São Paulo, quinta-feira, 06 de dezembro de 2001
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s.o.s. família

Como e quando soltar os filhos na vida

Rosely Sayão

Perto do final da infância, entre os dez e os 12 anos mais ou menos, boa parte dos pais começa a ter de soltar um pouco mais o filho para a vida a fim de que ele tenha mais autonomia e liberdade ao chegar à adolescência. Na verdade, os pais até relutam, mas a pressão dos filhos começa a fazer-se mais e mais forte. Afinal, eles reconhecem que cresceram e querem ser tratados como adultos. O jeito que encontram para expressar e até exigir isso é pedir o que nunca pediram antes: dinheiro para gastar como bem entendem, não acompanhar os pais nos passeios familiares para ficar sós em casa, ir para a escola e voltar por conta própria ou sair sozinhos com os amigos no fim de semana.
Soltar os filhos não é tarefa fácil para pais que educam com cuidado e atenção, mas essa é uma atitude necessária. O melhor é ir, passo a passo, transferindo a eles a responsabilidade de cuidar de si mesmos e, gradativamente, aumentar o nível dela. Hoje o pedido mais comum dos filhos dessa idade é sair com os amigos no sábado à tarde, por exemplo. Antes, era deixar de ter a companhia dos pais ou a condução apropriada para ir à escola. Hoje, por uma questão de conforto, eles costumam declinar dessa situação, o que é uma pena. Nada melhor do que essa situação para ensinar o filho a controlar os riscos de estar sozinho na cidade e a chegar na hora certa ao destino determinado.
Se a criança ou o adolescente -quando começar a soltar é uma decisão familiar e depende da abertura dos pais- aprende a ir sozinho para a escola, fica mais fácil aprender depois a voltar. Voltar é muito mais difícil: ele tem vários assuntos pendentes a tratar com os colegas, tempo ocioso pela frente, muitos motivos para se distrair. Mas, se já deu o passo anterior, fica mais fácil atender às condições e orientações dos pais.
Na visão dos pais, o problema maior nessa história toda -seja para ir sozinho à escola ou para sair com os amigos- é a segurança dos filhos. Muitos pais, preocupados com a violência, receiam pela integridade da vida dos filhos e, por isso, acabam por retardar ao máximo a independência deles.
Uma coisa é certa: "risco zero" não existe. É, senhores pais, podem se preparar. Infelizmente, é bem provável que seu filho seja alvo de um assalto ou assista de perto a algum quando começar a sair sozinho. E nem precisa ser à noite, pode ser durante o dia e em ruas bem movimentadas, o que é mais comum nessa idade. O filho de uma amiga acabou de passar por uma dessas experiências agora, aos 14 anos. Pensam que ele ficou traumatizado, deprimido, com receio de sair novamente?
Para espanto, até mesmo da mãe, não. A triste história aconteceu à tarde, em plena avenida Paulista. Pois ele chegou em casa e contou como tudo aconteceu. E mais: à medida que ia relatando os fatos, sua reação e seus pensamentos no momento do ocorrido deixaram transparecer aos pais o orgulho por ter passado bem pela situação. Segundo as palavras da mãe, ele foi "batizado" na situação de risco urbano em que vivemos e teve consciência de tudo. Foi responsável na medida do possível, soube reagir adequadamente -o que, nessa hora, significa não reagir-, soube cuidar de si. Motivo de orgulho para ele e para os pais.
Foi assim que esse garoto ganhou um pouco mais de confiança em si e no caminho que tem de percorrer na vida. Foi assim que ele percebeu que é capaz, sim, de enfrentar as dificuldades que surgem, mesmo as mais violentas e inesperadas. Claro que essa situação não é ideal para tal aprendizagem, e passaríamos muito bem sem ela. Mas é real, por isso deve ser considerada pelos pais.
É a partir dos sete anos mais ou menos que a criança começa a deixar para trás a estrutura de defesa e proteção que era de responsabilidade total dos pais para construir a sua própria. E, à medida que vai aprendendo e ganhando a confiança dos pais, vai também atualizando sua imagem de si: nem todo-poderoso e imune, nem tão frágil e fraco. Assim terá mais instrumental para enfrentar o mundo. Muitas vezes duro demais, mas o mundo que é dele.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Sexo É Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br


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