|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
s.o.s. família
Como e quando soltar os filhos na vida
Rosely Sayão
Perto do final da infância, entre os dez e os
12 anos mais ou menos, boa parte dos
pais começa a ter de soltar um pouco mais o filho para a vida a fim de que ele tenha mais autonomia e liberdade ao chegar à adolescência.
Na verdade, os pais até relutam, mas a pressão dos filhos começa a fazer-se mais e mais forte.
Afinal, eles reconhecem que cresceram e querem ser tratados como adultos. O jeito que encontram para expressar e até exigir isso é pedir
o que nunca pediram antes: dinheiro para gastar como bem entendem, não acompanhar os
pais nos passeios familiares para ficar sós em
casa, ir para a escola e voltar por conta própria
ou sair sozinhos com os amigos no fim de semana.
Soltar os filhos não é tarefa fácil para pais
que educam com cuidado e atenção, mas essa
é uma atitude necessária. O melhor é ir, passo
a passo, transferindo a eles a responsabilidade
de cuidar de si mesmos e, gradativamente, aumentar o nível dela. Hoje o pedido mais comum dos filhos dessa idade é sair com os amigos no sábado à tarde, por exemplo. Antes, era
deixar de ter a companhia dos pais ou a condução apropriada para ir à escola. Hoje, por
uma questão de conforto, eles costumam declinar dessa situação, o que é uma pena. Nada
melhor do que essa situação para ensinar o filho a controlar os riscos de estar sozinho na cidade e a chegar na hora certa ao destino determinado.
Se a criança ou o adolescente -quando começar a soltar é uma decisão familiar e depende da abertura dos pais- aprende a ir sozinho
para a escola, fica mais fácil aprender depois a
voltar. Voltar é muito mais difícil: ele tem vários assuntos pendentes a tratar com os colegas, tempo ocioso pela frente, muitos motivos
para se distrair. Mas, se já deu o passo anterior, fica mais fácil atender às condições e
orientações dos pais.
Na visão dos pais, o problema maior nessa
história toda -seja para ir sozinho à escola ou
para sair com os amigos- é a segurança dos
filhos. Muitos pais, preocupados com a violência, receiam pela integridade da vida dos filhos e, por isso, acabam por retardar ao máximo a independência deles.
Uma coisa é certa: "risco zero" não existe. É,
senhores pais, podem se preparar. Infelizmente, é bem provável que seu filho seja alvo de
um assalto ou assista de perto a algum quando
começar a sair sozinho. E nem precisa ser à
noite, pode ser durante o dia e em ruas bem
movimentadas, o que é mais comum nessa
idade. O filho de uma amiga acabou de passar
por uma dessas experiências agora, aos 14
anos. Pensam que ele ficou traumatizado, deprimido, com receio de sair novamente?
Para espanto, até mesmo da mãe, não. A
triste história aconteceu à tarde, em plena avenida Paulista. Pois ele chegou em casa e contou como tudo aconteceu. E mais: à medida
que ia relatando os fatos, sua reação e seus
pensamentos no momento do ocorrido deixaram transparecer aos pais o orgulho por ter
passado bem pela situação. Segundo as palavras da mãe, ele foi "batizado" na situação de
risco urbano em que vivemos e teve consciência de tudo. Foi responsável na medida do
possível, soube reagir adequadamente -o
que, nessa hora, significa não reagir-, soube
cuidar de si. Motivo de orgulho para ele e para
os pais.
Foi assim que esse garoto ganhou um pouco
mais de confiança em si e no caminho que tem
de percorrer na vida. Foi assim que ele percebeu que é capaz, sim, de enfrentar as dificuldades que surgem, mesmo as mais violentas e
inesperadas. Claro que essa situação não é
ideal para tal aprendizagem, e passaríamos
muito bem sem ela. Mas é real, por isso deve
ser considerada pelos pais.
É a partir dos sete anos mais ou menos que a
criança começa a deixar para trás a estrutura
de defesa e proteção que era de responsabilidade total dos pais para construir a sua própria. E, à medida que vai aprendendo e ganhando a confiança dos pais, vai também
atualizando sua imagem de si: nem todo-poderoso e imune, nem tão frágil e fraco. Assim
terá mais instrumental para enfrentar o mundo. Muitas vezes duro demais, mas o mundo
que é dele.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e
autora de "Sexo É Sexo" (ed. Companhia das Letras);
e-mail: roselys@uol.com.br
Texto Anterior: Programas preferidos Próximo Texto: alecrim: Sai a carne, entra a abóbora Índice
|