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Outras idéias
Michael Kepp
A CIA e eu
Durante meus 25 anos
aqui, alguns brasileiros reagiram à minha
nacionalidade americana perguntando se eu trabalhava para a CIA.
Respondia a essa provocação
brincalhona dizendo: "Isso é
confidencial!" ou "Não, mas já
trabalhei para a C&A".
A provocação não me ofende
porque simpatizo com o antiamericanismo que expressa jocosamente. Afinal, a CIA ajudou a derrubar vários líderes eleitos, de João Goulart a Salvador Allende, e distorceu dados usados para justificar a invasão do Iraque.
Os brasileiros quebram o gelo com banalidades antes de
perguntar sobre a CIA. Por
quê? Pelo mesmo motivo que
não perguntam a um desconhecido sua profissão, algo
mais pessoal, até conhecê-lo
melhor.
Taxistas daqui demonstram
a mesma delicadeza, perguntando minha profissão depois
de um longo bate-papo. Uma
dessas conversas começou
num sinal fechado, quando o
taxista notou uma moça
atraente no carro ao lado e perguntou: "Você comeria ela?"
Achei a pergunta vulgar e disse
que era casado. "E daí?", disse.
"Comeria ela?" Para acabar
com o assunto, falei: "Comeria". "Com certeza!", ele disse.
Mas ele esperou até o fim da
corrida para dizer: "Me desculpe, mas o que você faz na vida?". Quer dizer, para ele, a
pergunta sobre minha profissão foi mais íntima do que
aquela sobre quem me atrai.
Homens de outras classes
confirmam essa impressão. Em
festas, é mais fácil fitarem uma
moça faceira e dizerem "gostosa, hein?" (que não tem a vulgaridade de um "você comeria
ela?") do que perguntarem minha profissão.
Nos EUA, é o contrário. Em
festas por lá, a primeira pergunta mais comum é: "Em que
você trabalha?" Por quê? Nos
EUA, você é definido principalmente pelo status que sua profissão confere. Raramente ouvem-se comentários como "gostosa, hein?", porque são
considerados sexistas e politicamente incorretos.
Na França, onde vivi, e na
Itália, não existe esse tabu. Recém-conhecidos comparam
suas preferências femininas e
até suas conquistas, uma característica que define e dá status.
Afinal, os franceses se consideram sofisticados sexualmente (são os inventores do termo
"ménage à trois") e chamam os
americanos de puritanos.
Os homens brasileiros também se orgulham de suas conquistas -sejam coroas que posam com suas mulheres-troféus em "Caras" ou taxistas
que se gabam de passageiras
que levaram para o motel. E a
infidelidade do macho é tão
comum aqui que esposas enganadas não sofrem o estigma
social que marca maridos traídos. Há um insulto que ofenda
tanto a mulher traída quanto
"corno" ofende ao homem?
Hoje em dia, estou preparado para homens que querem
comparar suas preferências
femininas ou expressar seu
antiamericanismo. Mês passado, em uma festa, um brincalhão disse numa roda de convidados que me apresentava como correspondente internacional para encobrir o que eu
realmente era: agente secreto.
Quando todos se viraram para
mim, disse: "Que ridículo! Sou
jornalista há muitos anos".
"Desde quando?", perguntou
um convidado. "Desde que saí
da CIA", respondi.
MICHAEL KEPP , jornalista norte-americano
radicado há 25 anos no Brasil, é autor do livro de
crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões
e Desabafos de um Gringo Brasileiro" (ed. Record)
www.michaelkepp.com.br
[...] EM FESTAS, É MAIS FÁCIL FITAREM UMA MOÇA FACEIRA E DIZEREM "GOSTOSA, HEIN?" DO QUE PERGUNTAREM MINHA PROFISSÃO
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