São Paulo, quinta-feira, 06 de dezembro de 2007 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Inspire, respire, transpire Balé, como nunca se viu Em São Paulo, associação monta o primeiro grupo de dança clássica profissional formado por deficientes visuais
IARA BIDERMAN
Na infância, Geysa Kerle Pereira da Silva, 22, tinha um sonho quase óbvio entre meninas: ser bailarina. A aspiração era mais do que comum; incomum era o talento de Geysa para a dança, que ela própria desconhecia. Filha de uma família pernambucana de baixa renda, nunca teve condições de freqüentar aulas de balé. Mas, sempre que podia, assistia a espetáculos de dança e, até os nove anos, ainda sonhava em subir aos palcos.
Do uniforme de aula à sincronização dos passos, ela trabalhou com o grupo buscando perfeição técnica. Levou três anos até montar a primeira apresentação, pois queria que suas alunas fossem aplaudidas pela qualidade do bailado, e não pelo fato de serem deficientes visuais. Nem sempre é assim. Erros acontecem -de uma bailarina cair do palco ao som falhar no meio do espetáculo, obrigando o grupo a terminar a coreografia sem música. "Quando aconteciam erros e as pessoas falavam 'ai, que lindo!', eu odiava. Era mentira, não estava bom", diz Fernanda. O ensino de balé clássico é considerado linha-dura: tudo obedece a rígidos princípios técnicos. Fernanda teve de montar um método por conta própria para transmitir essa técnica a pessoas que não podem ver o corpo no espaço, mas que podem sentir como ele se coloca e se movimenta. Na primeira etapa, ela trabalha com a audição, explicando a postura ou o passo. Depois, vem o toque. A professora passa a mão no corpo da aluna, mostrando onde fica o pé, onde colocar a perna etc. Em seguida, a aluna passa a mão no corpo da professora, sentindo o que deve fazer. Finalmente, a professora praticamente pega a aluna no colo (às vezes, literalmente) e a acompanha no movimento. A voz também entra em campo: a contagem do tempo ajuda a manter o ritmo. Para chegar nisso, Fernanda teve de aprender mais com as alunas do que com as referências acadêmicas. "Não há nada na literatura. Nos livros, você lê que os deficientes visuais não conseguem ficar apoiados em apenas uma perna por mais de 20 segundos. As minhas alunas ficam na ponta do pé, apoiadas em uma só perna, e ainda fazem pirueta", orgulha-se. O reconhecimento pela excelência técnica está chegando. Não só em espetáculos, nos quais, muitas vezes, o público se levanta para aplaudir as bailarinas. Em julho deste ano, quando o bailarino Mikail Baryshnikov veio ao Brasil, foi conhecer o trabalho da ABCFB. Emocionou-se, sem dúvida, mas entrou no clima de profissionalismo, avaliando os passos das alunas como faria com qualquer membro de sua equipe. "Essa 'ponta' não está boa", corrigia o artista àquelas amantes da dança que o admiravam sem nunca o terem visto dançar. Mas que, provavelmente, estão entre as poucas pessoas do mundo que pegaram no pé de Baryshnikov sem o bailarino achar ruim. Do mesmo modo que aprenderam a dançar, foram, uma a uma, aprender com o toque como é a "ponta" de uma grande estrela do balé. As atividades da ABCFB recomeçam em janeiro de 2008 e os cursos são gratuitos. Informações: www.fernandabiachini.org.br Texto Anterior: Tacacá Próximo Texto: + Corrida: Vambora, pessoal! Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |