São Paulo, quinta-feira, 07 de junho de 2007
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[+] corrida

Rodolfo Lucena

Recomendações de uma imortal

Bastaram quatro toques do telefone e ela atendeu, a voz enrouquecida pelo resfriado que grassa nos dias frios de São Paulo. Por breves minutos, Lygia Fagundes Telles, ocupante da cadeira 16 da Academia Brasileira de Letras, concordou em sair do mundo da literatura para transitar pelas alamedas da memória e falar um pouco de esporte, de corridas.
O atletismo e outras atividades esportivas tiveram uma presença importante na vida da escritora, autora de "As Meninas", "Ciranda de Pedra" e "Antes do Baile". Ela já havia publicado seu primeiro livro, a coletânea de contos "Porão e Sobrado", quando, em 1940, entrou na Escola Superior de Educação Physica do Estado de São Paulo (hoje Escola de Educação Física e Esporte da USP).
"Tinha aulas teóricas e práticas", conta a escritora. "Eu jogava voleibol e gostava de corridas de 400 metros. Jogava bem o vôlei, nós ganhamos uma medalha, certa vez. Eu era cortadora..." As aulas práticas eram no clube Germânia (São Paulo). "Depois, devido à guerra, trocou de nome e passou a se chamar clube Pinheiros."
Nas pistas do clube, ela desenvolvia sua velocidade, mas apreciava mais a diversão: "Uma corrida da qual eu gostava muito era a de revezamento. Não tinha vencedores, éramos todos... Era a corrida do bastão: uma passava o bastão para a outra, que passava o bastão para a outra. Não havia uma competição mesquinha, invejosa, era tudo muito bonito, era uma corrida generosa. No final, éramos todas ganhadoras".
Mas, afinal, o que isso tinha a ver com literatura, que benefícios correr poderia trazer para uma intelectual? "O esporte me fez muito bem, porque na época eu já escrevia e lia muito. Eu saía daquele aprendizado teórico, me fez muito bem. Não sei por que os jovens de hoje não fazem mais esporte."
A escritora, hoje com mais de 80 anos, lembra o esforço que fazia. Saía de manhãzinha da casa onde morava com a mãe, em Perdizes, e seguia para o curso de educação física. Corria, nadava, esgrimava e tomava o rumo do centro, para o curso pré-jurídico, na Faculdade de Direito do largo São Francisco.
"Não tinha tempo para almoço, eu comia nas lanchonetes do largo São Francisco, uma média ou aquelas omeletes. Não dava tempo de ir para casa. De noite, caía na cama de borco. Não tinha balada, não."
E nas pistas, quando perdia, sofria? "Eu não me importava com as derrotas. Eu tinha um espírito não competitivo, até hoje não sou competitiva. Faço o que eu posso e não fico com inveja do outro. Eu faço o que posso, dentro de minha vocação."
É o que ela pede aos homens e mulheres de agora. "O que está fazendo falta aos jovens hoje é esporte. Simplesmente pelo prazer de praticar esporte, de desenvolver em si essa vontade de exercitar o corpo, de exigir de você esse tipo de disciplina."


RODOLFO LUCENA, 50, é editor de Informática da Folha, ultramaratonista e autor de "Maratonando, Desafios e Descobertas nos Cinco Continentes" (ed. Record)
rodolfolucena.folha@uol.com.br
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