São Paulo, quinta-feira, 07 de setembro de 2006
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Saúde

Cacto para emagrecer

Nova moda para perder peso, produtos à base de Hoodia gordonii ainda não têm comprovação científica

FLÁVIA PEGORIN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

"A desivos de Hoodia gordonii, um tira-fome natural extremamente eficaz, utilizado desde numerosas gerações pelos nativos da África do Sul. Forneço para 30 dias." O anúncio se tornou comum nas vendas pela internet -e uma moda de compra principalmente entre mulheres que pretendem perder alguns quilos. A nova onda do emagrecimento fácil, porém, ainda não tem comprovação científica.
A citada Hoodia gordonii é uma planta da família apocynaceae, espécie que possui talos suculentos como na família dos cactos. O vegetal, de flores exuberantes e cheiro forte, é típico da África do Sul ao sul de Angola, passando pela Namíbia.
É conhecido e utilizado pelas tribos indígenas africanas há centenas de anos, principalmente para tratar indigestão e algumas infecções. Isso até 1977, quando o Conselho de Pesquisa Científica e Industrial Sul-Africano isolou um ingrediente da planta conhecido como P57, supostamente responsável por um efeito moderador de apetite, e o patenteou.
A partir daí, uma licença de pesquisa foi concedida à farmacêutica Pfizer, que se dispôs a isolar os ingredientes ativos a partir de extratos do vegetal e sintetizá-lo para produzir cápsulas que inibiriam a fome. Mas, em 2002, a empresa abriu mão dos direitos sobre os ingredientes primários da planta.
O endocrinologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Marcello Bronstein suspeita dos efeitos da Hoodia gordonii. "Muitos medicamentos amplamente utilizados em medicina são derivados de plantas, mas isso exige um extenso trabalho de experimentação."
O médico e farmacologista Paul Hutson, da Universidade Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos, também acredita que o vegetal pode ter suas propriedades, mas não deve ser visto como uma solução mágica para o emagrecimento. "Uma gigante dos medicamentos somente libera ao mercado um produto relacionado ao tratamento da obesidade quando, depois de muitas pesquisas, conclui que não há grande valor em seu uso."
A Pfizer declarou que o desenvolvimento do ingrediente ativo P57 havia sido suspenso em razão de sua difícil sintetização. Na época, segundo a empresa, havia indícios de efeitos colaterais nas cobaias. Afirmavam ainda que a planta tinha um longo caminho a seguir antes de receber a aprovação da FDA, agência de alimentos e fármacos dos Estados Unidos.
Na teoria, o princípio ativo agiria na região do hipotálamo (centro cerebral da fome e da saciedade) liberando um componente similar à glicose, mas sem calorias. "A Hoodia gordonii é uma boa opção para quem precisa perder apenas um ou dois quilos", diz a nutricionista Ângela Cabral Matos, de Curitiba. "Vários pesquisadores já comprovaram sua ação, e não há registros de efeitos nocivos."
Maior do que o otimismo em relação à planta, porém, é o marketing das companhias de suplementos alimentares. O setor criou tamanha demanda pelas plantas que elas passaram ao grau de proteção ambiental em diversos países, como Namíbia e África do Sul.
Vários produtos que anunciam trazer Hoodia gordonii, no entanto, contêm uma porção ínfima do ingrediente ativo -ou até nenhuma porção. Uma pesquisa sul-africana com pílulas comercializadas da planta descobriu que pelo menos metade dos produtos não continha nenhum traço do vegetal.
Quem detém hoje a patente do P57 é a farmacêutica britânica Phytopharm. A empresa afirma que seu objetivo é tornar esse princípio ativo estável, para daí poder transformá-lo em um medicamento. Por enquanto, ele é apenas considerado suplemento alimentar, podendo ser vendido em forma de pílula, pó, bebida e adesivo transdérmico. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) permite a importação do suplemento apenas na forma de extrato.
A promessa é uma tentação enorme: com duas cápsulas, sendo uma ingerida antes do almoço e outra antes do jantar, o indivíduo sente saciedade consumindo apenas 40% do que normalmente come.
Para comprovar o poder de inibir a fome, um estudo feito na Inglaterra dividiu pacientes obesos em dois grupos. As pessoas que receberam o princípio da Hoodia gordonii realmente passaram a comer menos do que estavam acostumadas -coisa que acontece com muitos produtos do gênero, mas que traz todos os quilos de volta logo após o fim do uso.
"Explico aos clientes que não existe milagre. Todo produto que auxilia no emagrecimento precisa ser acompanhado de exercícios", diz Diego Holanda, dono de uma loja de suplementos alimentares em São Paulo que vende o produto. "Mesmo assim, 30% das vendas costumam ser de emagrecedores. As pessoas aprovam cápsulas do tipo, pois são simples de usar. E, a Anvisa aprovando o artigo, por que não usar?"
Com pesquisas ainda em andamento, quem decidir usar a Hoodia gordonii deve procurar acompanhamento médico.


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