São Paulo, quinta-feira, 07 de outubro de 2004
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A visão dos brasileiros em perspectiva

Su Stathopoulos/Folha Imagem
A aposentada Deolinda Moraes, que se submeteu a duas cirurgias de catarata


Hábitos saudáveis, visitas regulares aos médicos e muita informação são chave para evitar doenças nos olhos

ANA PAULA DE OLIVEIRA E RODRIGO GERHARDT
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando o assunto é cuidado com os olhos, a maioria das pessoas ainda faz vista grossa para a prevenção - muitas vezes por falta de informação ou de acesso aos médicos. Com esse cenário, o Brasil está entre os seis países que começaram a ser avaliados mais de perto pela OMS (Organização Mundial da Saúde) quanto ao atendimento oftalmológico prestado à população. Os outros são Chile, Rússia, Índia, Egito e Etiópia.
Para levantar os dados, pesquisadores do Instituto da Visão da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), parceiros brasileiros do estudo, levam em conta, além das queixas quanto ao acesso a tratamentos do SUS (Sistema Único de Saúde), a percepção do paciente sobre a habilidade do profissional que prestou o atendimento, seu nível de satisfação com o serviço, o uso de equipamentos e até o tempo que passaram na sala de espera.
"O diagnóstico servirá para orientar a elaboração de políticas públicas e terá influência na formação dos oftalmologistas. O objetivo da OMS é aumentar o acesso das pessoas à assistência oftalmológica", informa a pesquisadora e coordenadora do projeto, Solange Salomão.
Em análise preliminar de 1.200 questionários respondidos -serão 4.500 ao todo-, cujos resultados estão sendo levantados neste mês, a falta do uso de óculos é o problema principal nas classes mais baixas, ainda que a catarata figure no topo do ranking das doenças de visão que atingem os brasileiros.
Nos próximos meses, os pesquisadores do Instituto da Visão avaliarão também o atendimento particular por meio de usuários de planos de saúde. "Sabemos que alguns convênios são piores do que o SUS", informa o oftalmologista Rubens Belfort, um dos investigadores.
Como não existe um padrão de eficiência mínima no país, o atendimento ainda é irregular -métodos modernos convivem com técnicas mais antigas. O caso da aposentada Deolinda Moraes, 72, ilustra essa realidade. Em um intervalo de apenas seis meses, ela se submeteu a duas cirurgias com técnicas diferentes para tratar catarata.
Na primeira, o olho direito foi operado com uma técnica mais dolorida e de recuperação mais lenta, que exigiu um corte maior e pontos. "A cirurgia demorou duas horas. Precisei tomar uma injeção de antibiótico no olho. Fiquei traumatizada pela dor, apesar do bom resultado", conta Deolinda, que só foi operada do olho esquerdo depois de convencida pelas amigas de que havia um outro método menos invasivo. A segunda cirurgia, 35% mais cara, durou 20 minutos e não exigiu pontos, pois o corte era muito menor. Nessa técnica mais moderna, o cristalino defeituoso é aspirado e substituído por uma lente artificial que entra dobrada. "Saí da cirurgia e fui almoçar. Esqueci que estava operada", diz a aposentada, satisfeita.
Há alguns anos enxergando uma cortina enfumaçada, que atribuía aos óculos, Deolinda diz que só tomou conta da transformação visual pela qual passou quando chegou em casa. "Percebi a cor linda que tinha o meu sofá."
Segundo o censo de 2002 do IBGE, os 16,6 milhões de brasileiros que usam óculos afirmaram continuar com dificuldades para enxergar. A informação reforça o que a OMS já comprovou: problemas de visão devem ser tratados como questão de saúde pública. "Muitas pessoas usam os mesmos óculos durante anos, a vida inteira", afirma a oftalmologista Daniella Fairbanks, chefe do pronto-socorro do hospital São Luiz.
"Hoje eu enxergo melhor do que quando usava óculos", conta o engenheiro Marcelo Brasil Andrade, 35, que optou por uma cirurgia para corrigir seus quase cinco graus de miopia com um aparelho chamado "Wave Front", que detecta de forma minuciosa imperfeições do sistema ocular.

Questão de saúde
Acompanhar o envelhecimento do olho trocando a lente assim que necessário ou fazendo uma cirurgia, contudo, não é o centro do problema alardeado pela OMS. O foco da pesquisa é indicar medidas preventivas para toda a população. Apesar de a maioria das doenças que afetam a visão poder ser tratada ou controlada, como catarata, glaucoma e degeneração macular, elas ainda cegam os brasileiros por falta de diagnóstico precoce.
"Costumo dizer que todas as pessoas irão, pelo menos uma vez na vida, ao oftalmologista", brinca Fairbanks, do hospital São Luiz. O chefe do departamento de Distúrbios Visuais Funcionais da Unifesp, Ricardo Uras, explica o motivo: "Praticamente todos os indivíduos terão catarata, principalmente com o aumento da longevidade, além dos 70 anos".
Entretanto as visitas freqüentes ao oftalmologista, uma vez por ano, devem ser feitas mais cedo do que isso: a partir dos 40. É nessa idade que o glaucoma pode surgir. "É uma doença sorrateira porque não dá sinais nem sintomas. Pelo aumento lento e discreto da pressão intra-ocular, vai roubando a visão periférica. Quando percebemos, já se foi a maior parte do campo visual", explica Mauro Rabinovitch, do hospital Albert Einstein e pesquisador do setor de Bioengenharia Ocular da Unifesp.
As consultas ao especialista, porém, devem começar na infância. É muito comum o rendimento da criança na escola cair quando ela não está enxergando bem. Os pais de Ana Luiza Scripilliti Ribeiro, 8, perceberam que ela apertava os olhinhos para assistir à televisão ou se sentava próxima demais do aparelho. "Primeiro, ela não queria ir. Já existia um receio de usar óculos. Hoje, um ano depois, ela se acostumou. Aliás, é incrível como o acessório se incorpora à personalidade das pessoas. Quando a vejo sem eles, eu estranho", relata o pai, o gastroenterologista Marcelo Ribeiro Jr.

Atitude preventiva
Se doenças podem ser evitadas ou amenizadas com um diagnóstico precoce, em relação aos acidentes, só o uso de equipamentos de proteção impedem danos à visão. Em atividades ou profissões de risco, como o soldador, essa preocupação está mais disseminada. "No entanto são comuns acidentes durante as práticas esportivas", informa o presidente da Sociedade Brasileira de Oftalmologia, Paulo César Fontes.
Para os praticantes de esportes na neve ou no gelo, iatistas e escaladores, o risco vem da luz solar, pois a radiação ultravioleta pode causar lesões superficiais na córnea e catarata. Entre os esportes com risco de traumas e hemorragias mais comuns estão: tênis, squash, boxe, esgrima, basquete e lutas marciais.
Quem tem miopia e sente o incômodo do uso dos óculos ou fica inseguro em perder as lentes de contato durante a prática esportiva pode se beneficiar de um novo tratamento não cirúrgico que dispensa o uso desses apetrechos. Chamada de ortoceratologia, a técnica faz uso de um dispositivo semelhante à lente, mas que o paciente usa apenas quando vai dormir. Durante o sono, ele faz pressão sobre a córnea, sem tocá-la, corrigindo a deformação responsável pela miopia. "Com uma semana já é possível sentir os resultados", diz o oftalmologista do Hospital Oftalmológico de Brasília Leonardo Alan Rocha. Com um custo 50% menor do que o de uma cirurgia, o tratamento regride se o dispositivo for abandonado.
O acidente com o jogador Eduardo Gonçalves de Andrade, o Tostão, astro da copa de 1970 e colunista da Folha, entrou para a história. Em 1969, uma bolada no rosto causou o descolamento da retina no olho esquerdo e quase o cegou. Recuperado depois de uma cirurgia às pressas, o medo de um novo acidente o levou a se afastar do futebol em 1973. Até então,um acidente assim nunca tinha ganhado tanta evidência no meio. "Várias pessoas vinham me procurar buscando informações", conta Tostão. Prevenção parece mesmo rimar com informação.


Texto Anterior: Esporte inclusivo
Próximo Texto: Doenças mais comuns
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.