São Paulo, quinta-feira, 08 de abril de 2004
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s.o.s. família

Criança perde quando é obrigada a ser popular

rosely sayão

O que deveria ser só festa e comemoração na vida dos filhos transformou-se em um problema -quando não num drama- na vida dos pais. Vamos conversar sobre um tema que, aparentemente, é bem simples: festa de aniversário de crianças com até nove ou dez anos, mais ou menos. Recebi várias cartas a esse respeito e, pelas questões trazidas, creio que esse é um bom pretexto para nossa conversa de hoje.
Uma das leitoras escreveu contando que a filha, que ia comemorar nove anos, queria uma festa. A mãe concordou, mas a história foi complicando-se a tal ponto que virou festa de horror por tornar-se impraticável para a família. A garota, que freqüenta uma escola particular, insistia em ter de convidar todos os colegas de mesma série -três classes com mais ou menos 25 alunos. O fato é que a menina sentia-se obrigada a convidar todos. E sabem por quê? Para não correr o risco de não ser convidada para as festas dos colegas. Ou seja, instituiu-se uma norma na escola: em festa de aniversário, todos têm de ser convidados. E pensar que festa de aniversário deveria ser coisa de amigos, uma comemoração entre pessoas que se querem bem! Não tem sido.
E o que os pais têm a ver com isso? Pelo jeito, muito. Filhos têm sido bastante pressionados pelos pais para que sejam "sociáveis", o que, na interpretação dos pais, significa ter muitos amigos, ser convidado para viajar em fim de semana e para todas as festas, receber muitos telefonemas, ser popular, enfim, pertencer a um grupo enorme. O que os filhos ganham tentando ser assim ninguém sabe ao certo. Algumas ilusões e outras tantas decepções talvez. Mas o que podemos pensar, tendo como base a história das festas de aniversário, é o que os filhos não aprendem, o que não têm oportunidade de experimentar.
Eles não aprendem, por exemplo, a escolher e a discriminar amigos entre tantos colegas. É na infância que os relacionamentos com os pares começam -em geral, intermediados por adultos- e é nessa fase que é possível começar a aprender que ter amigos pressupõe diversos compromissos e obrigações. O da lealdade, por exemplo, o que exige bastante de crianças e jovens, já que eles ainda agem de modo bem impulsivo e tendo como referência seus próprios interesses. O da generosidade também, já que ter -e ser- amigo acaba por exigir tempo que poderia ser usado de outro modo. Convidar um amigo para ir a casa ou receber tal convite poderia ser uma grande oportunidade de aprender a trocar intimidades, já que a casa é, por excelência, a fortaleza da privacidade. Ter amigos, enfim, poderia ser uma grande experiência e um bom aprendizado de valores éticos e de virtudes.
Mas, se a criança ou o jovem se sente obrigado a convidar para a sua festa todos os pares que convivem com ele no espaço escolar -pelo menos no seu período-, é sinal de que não consegue escapar da ditadura do costume da maioria, não suporta a idéia de ser diferente e, muito menos, de sofrer a frustração de não ser convidado para uma festa.
Mas há pais que permitem -ou exigem- que o filho escolha quem convidar e muitos fazem isso de modo desajeitado. É claro, estão ainda aprendendo! E o que acontece com os colegas, ou mesmo amigos, que não são convidados? Sofrem, sentem-se rejeitados e frustrados. Aprenderão alguma coisa com essa experiência se os pais permitirem.
Muitos não têm dado essa oportunidade aos filhos. Não se conformam com a exclusão, estimulam o filho a cortar o relacionamento com o colega -ou amigo- e alguns chegam ao limite: ligam para os pais do aniversariante em busca de explicações. Às crianças tratadas assim sobra a sensação de fracasso, que, aliás, nada tem a ver com a situação vivenciada.
Os pais precisam admitir: é hora de o filho viver e aprender a jogar, e ele tem condições de superar os percalços da vida.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha), entre outros; e-mail: roselys@uol.com.br


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