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S.O.S. família
Ensinar a fazer perguntas certas
Rosely Sayão
Uma escola passou
uma tarefa importante aos alunos da
segunda série do ensino fundamental: elaborar a
prova que eles mesmos fariam.
A criançada ficou excitadíssima. A classe foi dividida em pequenos grupos, a professora
apresentou as regras e colocou
os alunos para trabalhar. As
surpresas com que se defrontaram no processo foram muitas.
A primeira foi que eles não
sabiam que, para fazer perguntas sobre um conteúdo, é preciso estudá-lo -e muito bem.
Ponto para a escola, que soube
dar mais valor às perguntas do
que às respostas. Afinal, é exatamente isso que sustenta o
aprendizado: ensinar a fazer
perguntas certas. Além disso, a
escola livrou os alunos da tradicional situação que costuma
deixá-los estressados e não colabora com o processo de
aprendizagem: as avaliações.
A segunda surpresa dos alunos foi descobrir que, para elaborar um trabalho, é preciso
dedicação e paciência, pois é
necessário fazer rascunhos,
reavaliar o que foi feito, reconhecer as falhas do projeto e refazê-lo inúmeras vezes. E, de
novo, a escola encontrou uma
ótima maneira de ensinar isso.
Convidou pais para que contassem como faziam seu trabalho.
Terceira descoberta dos alunos: os adultos, profissionais
que são e que já passaram pela
escola, também fazem rascunhos, despendem tempo e
energia ao elaborar um trabalho e pesquisam, assim como
erram e mudam muitas vezes o
que já fizeram. E é sobre isso
que vamos refletir.
Que conceito a respeito do
conhecimento temos transmitido aos mais novos se eles se
surpreendem quando percebem que estudar é uma tarefa
que não termina nunca? Talvez
seja necessário pensarmos melhor nisso, principalmente porque essa geração usa recursos
tecnológicos diversos com
muita facilidade. Assim é com o
videogame, com o computador,
com o telefone celular etc. Pode
ser que estejamos permitindo
que crianças e jovens tenham
essa idéia do que seja aprender:
um processo rápido, que começa e termina com uma brevidade incrível e que não exige dedicação, esforço, concentração,
pesquisa e estudo constantes.
Os pais e professores sabem o
tamanho da dificuldade que
tem sido cobrar dos alunos e
dos filhos uma atitude de apreço ao conhecimento. Eles, de
modo geral, têm sido displicentes com tudo o que se refere aos
estudos. Precisamos considerar a possibilidade de que isso
possa ser resultado de uma
grande falha nossa na formação
intelectual deles. Mas a hipótese de que falta motivação para o
estudo tem sido forte o suficiente para impedir que novas
conjecturas sejam construídas.
Uma possível é a de que o mundo adulto está tão indiferenciado do mundo infantil e jovem
que permite aos mais novos se
compararem aos adultos e
acreditarem que estão no mesmo patamar no processo de
aquisição do conhecimento.
Vejam a história que uma
professora me contou. Em uma
conversa com um aluno da
quinta série que enfrenta dificuldades com a língua portuguesa, ela ouviu dele uma confissão: a de que estava desanimado com o estudo porque
achava que nunca conseguiria
escrever tão bem quanto ela. Ao
explicar que para chegar a escrever como ela seria preciso
muito exercício e muito tempo,
ele perguntou, espantado, se
não se aprendia a escrever bem
de uma vez só. Não é interessante a pista que esse aluno nos
dá? É a mesma dos que se surpreenderam com o trabalho de
um profissional experiente ao
executar sua função.
Mais importante do que cobrar êxito na vida escolar dos filhos é ensinar que estudo exige
dedicação, esforço, concentração, organização e, principalmente, paciência e sacrifício
também. Por que não?
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como
Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
@ - roselysayao@folhasp.com.br
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