|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
s.o.s. família - rosely sayão
Crítico gastronômico dá exemplo a educadores
Há livro que, assim que chega até mim, eu
devoro com avidez de tão gostoso que ele
é. Depois de um tempo, volto a ele e, então, a
segunda leitura fica até mais saborosa porque
mais tranquila e permite algumas reflexões
que, à primeira vista, parecem até desconectadas do texto. Foi o que aconteceu com o livro
"O Homem Que Comeu de Tudo", de Jeffrey
Steingarten (ed. Companhia das Letras). É a
curiosa história de um advogado que se torna
crítico de gastronomia e que tem um estilo de
texto simplesmente delicioso. Mas o que isso
tem a ver com educação, filhos, família?
Refeição em família sempre é um ótimo momento para atualizar emoções, encontros,
conflitos e também para trocar idéias sobre fatos da vida e produzir boas conversas. Mesmo
que não seja esse o objetivo, essas coisas sempre acabam acontecendo e isso torna mais
concreto o vínculo que une o grupo familiar e
que dá a relação de pertencimento a todos. Para os filhos, pertencer a esse grupo -a essa
panelinha, como eu já chamei- é uma referência importante, que desenvolve a auto-estima, dá um norte, oferece segurança, dá limites. Refeição em família, mais do que sustentar
o corpo, nutre o afeto de todos.
Mas a idéia que o livro me deu foi outra. É
que, para começar a enfrentar a enorme responsabilidade de assumir a função de crítico
gastronômico de uma importante revista, o
primeiro passo do autor foi reconhecer e enfrentar suas limitações pessoais: listou uma série de aversões alimentares que tinha e organizou um programa para superá-las. Em outras
palavras: ele assumiu a postura ética e escolheu ser corajoso para encarar os preconceitos
que poderiam atrapalhar sua tarefa. Foi aí que
comecei a pensar na postura dos educadores,
familiares e escolares.
Decidir ter um filho ou tornar-se professor é,
sem dúvida, um ato de coragem e de generosidade. Ainda mais nos tempos atuais, não é
mesmo? Mas essa atitude inicial não basta para quem vai assumir a responsabilidade de
educar crianças. À semelhança do autor do livro que citei, é preciso enfrentar as limitações
que foram sendo aprendidas e acumuladas
durante a vida para tentar ver, além delas,
aquele que será educado.
É impressionante como alguns preconceitos
tomam conta de pais e professores e assumem
ares de conceitos próximos da verdade. Alguns exemplos? "As crianças do mundo de
hoje são precoces, por isso não obedecem aos
pais"; "as famílias jogam quase toda a responsabilidade da educação de seus filhos para a
escola"; "lição de casa é importante para ajudar o aluno a aprender a estudar sozinho"; "filho único é problemático" etc. etc.
Quando pais e professores enxergam mais
seus preconceitos do que seus filhos ou alunos, a liberdade de procurar caminhos novos
para a educação deles fica bastante limitada.
Isso não apenas torna a tarefa de educar muito
mais árdua como provoca uma boa quota de
sofrimento inútil para todos os envolvidos.
Volto ao livro: depois de cumprir o programa auto-imposto para extinguir o que ele chamou de fobias alimentares -programa, aliás,
que teve o dever do exame final e o direito à cerimônia de graduação-, o autor precisou
acrescentar um último passo. Precisou reaprender a humildade! Aí está: ela pode ser
ponto de saída e de chegada de todo educador.
É preciso humildade para conhecer e reconhecer preconceitos, para ouvir -e ver- filhos e alunos e, portanto, para dialogar com
eles. Sem a virtude da humildade, qualquer
educador só enxerga a si mesmo e fica confinado dentro de seus próprios limites.
Mas é preciso humildade, novamente, para
não se tornar autoritário e arrogante com filhos e alunos depois de um processo de formação e de autoconhecimento.
Por que você não experimenta listar alguns
de seus preconceitos educacionais que dificultam a tarefa educativa? Se quiser, uma ótima
fonte inspiradora pode ser esse livro. Quem
gosta de gastronomia vai adorar -e quem
não curte também.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e
autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha); e-mail:
roselys@uol.com.br
Texto Anterior: quem é ela Próximo Texto: outras idéias - mario sergio cortella: "Nosotros" Índice
|