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outras idéias - mario sergio cortella
"Nós" é quase barreira que separa, enquanto "nosotros" exige perceber uma visão de alteridade, ver o outro como um outro, e não como um estranho
"Nosotros"
Cristóvão Colombo! Prenome de pregador religioso
("christoforus", o que leva Cristo) e sobrenome que designa ave símbolo da fertilidade ("columbus", pombo),
usada por Noé -seu antecessor nas navegações arriscadas-
para certificar-se de que o dilúvio houvera terminado e de que
um novo mundo, então purificado, estava à mostra.
Christoforus Columbus! Quantas vezes é lembrado por ter
oficialmente chegado a um continente ainda desconhecido pelos reinos europeus da Renascença! Nascido em Gênova, não
encontrou em sua pátria, a atual Itália, acolhida para os seus
sonhos ou, como pensaram muitos, para seus delírios. Procurou apoio em Portugal, mas lá foi rejeitado.
A fortuna e também a miséria vieram de seu trabalho a serviço da monarquia católica hispânica. Com financiamento obtido de Fernando de Aragão e de Isabel de Castela, acredita-se
ter o famoso navegador esbarrado nas contemporâneas Bahamas em 12 de outubro de 1492. No entanto nem seu nome esse
"novo mundo" recebeu, ficando a honraria para o compatriota
florentino Américo Vespúcio.
Cristóbal Colón! Assim chamado no idioma mais robustamente germinado por aragoneses e castelhanos, introdutor do
espanhol nas terras que agora são El Salvador, Cuba, Haiti, Trinidad, Honduras, Jamaica etc. Não é raro ser mais conhecido e,
assim, continuamente amaldiçoado pelo fato de ter trazido para essas plagas a violência conquistadora, a ganância aventureira, o predador humano. Ficou marcado como o responsável
simbólico pelo genocídio em nome da civilização e pela destruição de povos, culturas, religiões, línguas, saberes e poderes
em nome da cruz e da espada. Falta pouco para, com razão, a
ele imputarmos a responsabilidade pelos malefícios resultantes da globalização tal como hoje está, pois essa ânsia de hegemonia global principiou, há mais de 500 anos, exatamente com
as grandes navegações e, agora, está atingindo seu ápice.
Colombo! Um dos maiores e mais audaciosos marinheiros da
história, fiel seguidor da máxima "navegar é preciso, viver não
é preciso" (por muitos atribuída ao genial Fernando Pessoa e,
por outros mais desavisados, a Caetano Veloso), sabia que esse
foi o incentivo pronunciado pelo general Pompeu no século 1º
a.C., quando a esquadra romana teve de cruzar o Mediterrâneo
durante uma tempestade quase diluviana. Triste sina! Mesmo
com todo esse histórico, seu nome é usado em muitos momentos como exemplo negativo para indicar qualquer pessoa dispersiva ou sem rumo certo na vida, que não sabe o que quer e
que, como ele, partiu sem saber aonde chegaria e, quando chegou, não sabia onde estava.
No entanto reconheça-se: a maior contribuição de Colombo
não foi ter colocado um ovo em pé ou ter aportado por aqui depois de singrar mares nunca dantes navegados. Colombo precisa ser lembrado como a pessoa que permitiu a nós, falantes
do inglês, do francês ou do português, que tivéssemos contato
com uma língua que, do México até o extremo sul da América,
é capaz de nos ensinar a dizer "nosotros" em vez de apenas
"we", "nous" ou "nós", afastando a arrogante postura do "nós"
de um lado e do "vocês" do outro. Pode parecer pouco, mas
"nós" é quase barreira que separa, enquanto "nosotros" exige
perceber uma visão de alteridade, isto é, ver o outro como um
outro, e não como um estranho. Afinal, quem são os outros de
nós mesmos? O mesmo que somos para os outros, ou seja, outros!
Em meio a tantas práticas homicidas oriundas de uma globalização tendencial, mas não obrigatoriamente egoísta e excludente, um passo importante é poder incorporar essa herança
linguística positiva trazida por Colombo e alterar os idiomas,
começando a dizer por aqui um pouco mais de "nós outros".
Isso, sim, pode gerar um novo mundo.
MARIO SERGIO CORTELLA, filósofo, professor da PUC-SP, autor de "A Escola e o Conhecimento: Fundamentos Epistemológicos e Políticos" (ed. Cortez/IPF), entre outros, escreve aqui uma vez por mês
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