UOL


São Paulo, quinta-feira, 10 de julho de 2003
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

São cerca de sete horas e 40 km percorridos em morros, rios e cachoeiras, e o maior beneficiado não é o corpo, mas a cabeça

Corrida de aventura light é gincana de adulto

Fotos Wladimir Togumi/Divulgação
Trecho de trekking em Natividade da Serra

Consulta ao mapa


PAULO PRIOLLI
FREE-LANCE PARA A FOLHA

A imagem que se tem da corrida de aventura é aquela mostrada na televisão, em que os atletas, em petição de miséria, depois de percorrerem mais de 200 km sob condições hostis, cruzam em frangalhos a linha de chegada de provas consagradas mundialmente, como a Eco-Challenge. Por isso o acesso a essas disputas radicais sempre foi restrito a uma pequena elite de atletas forjados na têmpera do aço.
A novidade é que os mortais comuns já podem se valer das emoções dessas corridas com uma boa dose de conforto e muita segurança. Versões light do esporte começam a pipocar por todo o país. São provas curtas e em áreas acessíveis e menos selvagens que a mata atlântica ou o interior da Nova Zelândia, áreas de disputa do circuito "profissional". Quem pratica afirma que a corrida de aventura é uma modalidade esportiva que engloba outras: trekking (caminhada), mountain bike (bicicleta), canoagem e técnicas verticais como o rapel (descer paredões ou cachoeiras por meio de cordas), além de navegação (orientação por meio de bússola e mapas topográficos). Por conta disso, quem se habilita deve estar preparado tecnicamente e com um certo condicionamento físico. Por ironia, o bom preparo físico não garante o sucesso de ninguém na prova. Para alcançar o objetivo e cumprir a prova, o importante é saber trabalhar em equipe, ter domínio de todas as técnicas necessárias e intimidade com conceitos como estratégia e planejamento. E nisso a corrida de aventura parece mais uma gincana. Some-se o fato de as provas serem praticadas em belas paisagens, em meio à natureza, com riachos murmurantes para a canoagem e cachoeiras invocadas para o rapel. "Brinquedo de gente grande", define Sérgio Zolino, 35, que está implantando no Brasil essa versão light do esporte, com provas curtas, de 40 km, em média, e duração de sete horas. Com a experiência de quem já sobreviveu a oito provas do Iron Man (a mais dura prova de triatlo do mundo), no Havaí, Zolino quer acabar com o estigma de esporte violento. "O cara que não se sente seguro ou se machuca ou abandona a prova. E a gente não quer uma coisa nem outra, até para a sobrevivência do esporte." Existem aquelas pessoas muito competitivas, que só entram em campo para ganhar, mas o clima geral entre os participantes é divertir-se com pouco risco -porque, pelas próprias circunstâncias, ele sempre existe. "Meu objetivo é não chegar em último", diz Ernesto Haberkorn, empresário de 59 anos que "há muitos anos procurava uma atividade esportiva assim. O bom é que, a cada segundo, tem um desafio, mas nada é perigoso". O empresário, que participa das provas com as filhas, a mulher e o genro, faz tudo no seu ritmo e não se importa em perder tempo, no meio do caminho, para admirar uma paisagem bonita ou entrar num riacho para tomar banho. E ainda assim não faz feio. Numa prova recente, no interior de São Paulo, sua equipe chegou em 27º lugar entre as 75 participantes.

Para cima e para baixo
Quem se aventura numa corrida dessas pedala vários quilômetros morro acima e morro abaixo, desce quilômetros de corredeiras em canoas, anda outros tantos quilômetros a pé e ainda faz rapel na encosta de cachoeiras, em paredões que podem passar dos 20 m de altura.
O risco de entorses, fraturas e estragos do gênero existe, mas a organização costuma dispor de serviço de apoio, como equipe médica de plantão.
"Seis, sete horas sem parar, pedalando, remando, correndo e escalando não é para qualquer um", diz o arquiteto Juliano Mariutti, de 28 anos, corredor desde os 15.
"Como a corrida de aventura está na moda agora", ele formou uma equipe com os amigos, a Weekend Adventure, chegando em quarto lugar numa prova no mês passado. Ter brevê de piloto e saber ler os mapas topográficos ajudou muito, diz ele.
Aliás, toda a graça da brincadeira está concentrada no mapa do trajeto da prova, que é entregue a todos apenas na véspera da competição. Com ele, você pode descobrir a melhor estratégia para cumprir aquele trajeto e aquelas tarefas e "desenterrar o tesouro". Daí começa-se a planejar a forma mais eficiente de colocar a estratégia em prática. Esse é um dos prazeres dos marmanjos, pois há ainda a satisfação pelo cumprimento de uma meta.
Não há premiação em dinheiro. Ganha-se medalha e experiência. Segundo os adeptos, o maior benefício das corridas de aventura é mental. Haberkorn destaca o desenvolvimento da autoconfiança, da competência, do companheirismo, da liderança e da garra. Diz aplicar, muitas vezes, técnicas de orientação no trânsito e em outras atividades cotidianas, aumentando muito a sua eficiência. O empresário foi o responsável direto por uma categoria nova no calendário de corridas: a dos trabalhadores de empresas de tecnologia da informação. Em agosto, passa a competir com seus funcionários e concorrentes na categoria que ajudou a criar.
De que essas provas dão um duro golpe no estresse nosso de cada dia não há dúvida. Duram um final de semana inteiro, o que implica viajar, conviver com a sua turma, com outras turmas, conhecer novos lugares no meio da natureza e, ainda por cima, praticar esporte.


Texto Anterior: Capa 10.07
Próximo Texto: "Camps" e provas para os "mortais"
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.