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Outras idéias
Anna Veronica Mautner
Alta maturidade
Se você pensa que ter
mais idade é usar bengala ou preparar-se para usá-la, engana-se.
Seguem algumas curiosidades
sobre a alta maturidade, ou terceira idade, ou melhor idade.
A pessoa saudável nessa fase
da vida -com filhos casados,
netos crescendo, sonhos mais
ou menos bem realizados-
curte os bons momentos. A
gente se alegra com o que o hoje
vai dando, enquanto espera o
daqui a pouco. Planos de futuro? Só os que cabem na agenda
da semana. O tempo é sentido
de forma diferente quando o
agora vigora com essa força toda. Uma das curiosidades dessa
etapa da vida é que a relação
com o tempo é bem diferente.
Cai feito uma luva o importado gerundismo usado pelo telemarketing, apesar de ser um
português abominável. Nessa
idade, vive-se em um presente
estendido. Em uma só conjugação verbal, embutimos o prover-se de ontem para hoje e daí
para amanhã. E, assim, vamos
esperando sempre que amanhã
possamos estar dando conta
não somente da nossa agenda
mas de algo mais.
A agenda é o guru que queremos ser capazes de seguir. "Já
passei pela farmácia, fui à massagem, agora só falta eu ir voltando para casa porque eles (filhos, netos, amigos) já vão estar
chegando e eu vou querer estar
lá para não perder nem um minuto da prosa." "Vou querer estar lá." Nisso está dito que os
que vão e chegam são jovens, e
os outros são os além da maturidade. A idade do interlocutor
está embutida no tempo do verbo. Jovens no indicativo, velhos
nos gerúndios compostos.
A maior parte da agenda é
voltada para cuidados consigo
mesmo. E uma alta maturidade
feliz inclui a transmissão da experiência de forma interessante, sem sermão, mas com exemplos de habilidades e ternurinhas. É bom ir passando adiante uma certa sabedoria aos descendentes e amigos.
Outra curiosidade da idade
está na ocupação do espaço público. Dá para perceber que aí
tem um vai-e-vem curioso. Eles
ocupam o espaço público enquanto os outros estão nos escritórios, oficinas e escolas.
Não contribuem para a aglomeração. Os mais abonados gastam mais, os outros, de acordo
com sua possibilidade.
Não percebo em seus olhos
tristeza ou euforia. Vejo um
apego à previsibilidade. Um dia
igual a ontem é tudo o que estão
podendo querer agora.
Observo que o espaço público é deles até as cinco da tarde,
quando refluem, e o espaço vai
para outros ocupantes. Trocando assim de turno, o espaço dá
para todos. Constantes, com o
mínimo de surpresa, todos encontram o equilíbrio psíquico e
afetivo de dias felizes.
Isso não é tudo sobre a tal alta maturidade... É o que coube
neste espaço.
[...] A idade do interlocutor está embutida no tempo do verbo: jovens no indicativo, velhos nos gerúndios compostos
ANNA VERONICA MAUTNER, psicanalista da
Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed. Ágora)
amautner@uol.com.br
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