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foco nele
Médico questiona diagnóstico de depressão
CIÇA GUEDES - FREE-LANCE PARA A FOLHA
"Nossos estudos mostram que muitos tipos de depressão
são transtornos bipolares que acometem de 6% a 8% da
população. Com essa constatação, podemos salvar
pessoas dos tratamentos com antidepressivos, que podem
fazê-las piorar"
Os franceses disputam seu autógrafo
em congressos, jovens médicos buscam
uma vaga no departamento que ele dirige
na Universidade da Califórnia, em San
Diego (EUA), pacientes ao redor do
mundo são gratos a ele por terem conseguido superar os estigmas e os sofrimentos provocados por doenças mentais. O
psiquiatra americano Hagop Akiskal, 58,
diretor do International Mood Center, é
o responsável pela descoberta de que os
transtornos de humor -que a medicina
chama de transtornos bipolares- estão
na raiz de muitos casos tidos como de depressão clássica.
"Ele mostrou ao mundo que o transtorno bipolar não é raro como se imaginava
e que possui formas brandas. A psiquiatria, como qualquer especialidade médica, deve partir de um diagnóstico correto
para ter sucesso no tratamento. Há casos
em que os antidepressivos são um veneno, fazem o paciente acelerar o ciclo da
depressão", diz o psiquiatra brasileiro
Olavo Pinto, que, com Akiskal, escreveu
o estudo "Espectro Bipolar" em 1999.
Nesta entrevista exclusiva, Akiskal
-que tem mais de 500 trabalhos publicados (entre eles 16 livros) e recebeu, neste ano, o prêmio máximo da World
Psychiatric Association- conta como
desenvolveu seu trabalho.
Folha - Como chegou à conclusão de que há
mais doenças que devem ser tratadas como
transtorno de humor?
Hagop Akiskal - Foi uma necessidade baseada na observação clínica. Foi uma longa batalha contra o estigma da doença
mental, que começou a cair nos anos 70.
O tratamento psicoterápico demanda
tempo, e, quando comecei na psiquiatria,
em 1969, tínhamos muitos pacientes,
mais de 500 num único ambulatório.
Muitos pacientes eram considerados ansiosos, neuróticos, neurastênicos, limítrofes. Esses estados eram, em geral, considerados como problemas de comportamento e até mesmo decorrentes de problemas cardíacos. Nesses casos, a pessoa
apresenta tendência ao pessimismo, tem
um ritmo mais lento, está sempre meio
caída. Está apta para o trabalho, mas não
sente prazer no que faz, por exemplo.
Não é uma doença grave, é um temperamento melancólico. Usamos pequenas
doses de antidepressivos, e, em geral, a
doença se agravou.
Folha - Como saber se a doença que atormenta o paciente é um transtorno de humor?
Akiskal - Tratei um paciente que é um
bom exemplo. Era um jovem, obeso, pessimista e entediado. Dei antidepressivo
porque era preciso combater a insônia.
Três semanas depois, ele estava num estado de excitação que o fazia acordar
cheio de energia. Mas ele não gostava,
não sabia o que fazer com essa energia.
Quando ele me contou que o irmão havia
se tornado maníaco, que tomava lítio, ficou claro que era a mesma doença. O
diagnóstico mudou de depressão unipolar, depressão neurótica, para transtorno
bipolar, com todas as implicações que isso tem no tratamento. Para tornar a situação ainda mais interessante, seu pai
apresentava o tipo de personalidade que
os psicanalistas chamam de narcisista e
nós, psiquiatras, chamamos de hipertímica. São pessoas muito autoconfiantes,
cheias de energia, generosas e hipersexualizadas, em geral bem-sucedidas.
Folha - Esse comportamento também é um
transtorno de humor?
Akiskal - Existem diferentes condições.
Há os maníacos-depressivos, a condição
mais grave, em que ocorrem os episódios
de euforia e depressão e que atinge cerca
de 1% da população. Os bipolares, que
apresentam episódios curtos de melancolia durante um ou dois dias. Os ciclotímicos têm como principal característica
a instabilidade do humor. Há os deprimidos que buscam excitação nas drogas, como cocaína, anfetaminas, cafeína, álcool.
E há os hipertímicos, pessoas muito bem-sucedidas, cheias de energia, que podem
ficar deprimidas porque é muito difícil se
manter o tempo todo nesse estado de forte excitação, de excessiva autoconfiança.
Folha - Por que as pessoas com pique são
bem-vistas?
Akiskal - As pessoas com temperamento
bipolar encantam, comunicam-se bem,
são mais emocionais. Certamente há
muitos genes envolvidos nesse temperamento que foram importantes para a
evolução da humanidade, estavam presentes nos exploradores, nos homens
que gostam de correr riscos, de desafios.
A bipolaridade refere-se exatamente a isso, aos estados de muita energia, de muita excitação. A doença acontece quando
há desequilíbrio. Quando doente, na
chamada fase maníaca, a pessoa se expõe
a riscos e situações embaraçosas. O paciente precisa entender que terá de ceder
um pouco de energia para atingir o equilíbrio, mas a idéia não é alterar seu temperamento. Há novas drogas, como os
estabilizadores de humor.
Folha - Qual é a incidência dos transtornos do
humor?
Akiskal - Nossos estudos estão mostrando que muitos tipos de depressão são, na
verdade, transtornos bipolares. Pode-se
dizer que acometem de 6% a 8% da população. Essas pessoas não devem ser
tratadas com antidepressivos, esses medicamentos podem fazê-las piorar. Também é importante destacar que, em nossos estudos, verificamos que o perigo do
suicídio é realmente alto entre as pessoas
deprimidas por transtornos bipolares.
Para consumar esse ato, é preciso uma
energia que o deprimido clássico não
apresenta. Essa é mais uma razão para
buscar um diagnóstico preciso.
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