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ROSELY SAYÃO
Ser criança
"Doze de outubro é
declarado o Dia da
Criança. Quem
comemora tal data? O comércio, sem dúvida. Por
mais tímidas que sejam as vendas de brinquedos, eletrônicos e
toda sorte de produtos para o público infantil -aliás, é bom considerar que até adolescentes correm sério risco de serem presenteados-, um aumento sempre
acontece. É que pais, tios, avós e
amigos da família querem fazer
um mimo para a criança, que, exposta que está aos veículos de comunicação, sabe cobrar o que
acha devido. Ganhar presentes
nessa data tornou-se fato quase
banal. Obrigação, digamos.
Será que as crianças desfrutam dos presentes? Provavelmente, sim, por pelo menos uns
15 minutos. O fato é que, para
crianças que já têm mais do que
precisariam para descobrir o
mundo pela brincadeira, fica difícil entregar-se a uma única atividade ou escolher um brinquedo entre tantos. Vale lembrar um
velho ditado popular que diz que
quem tem tudo não tem nada.
Pensando bem, o comércio e a
indústria talvez sejam os únicos
segmentos da sociedade com
motivos para comemorar a data.
Afinal, o que pais, profissionais
da educação e adultos implicados com o futuro teriam a celebrar? O fato de a identidade infantil estar perdida no mundo
contemporâneo?
Vejamos: as crianças pertencentes a famílias de classe média
não têm tempo nem espaço para
brincar. Desde cedo, são estimuladas para o aprendizado que deverá render frutos no futuro. São
intencionalmente dirigidas pelos
adultos em brincadeiras que visam algum aprendizado. Ora,
brincadeira com objetivo e traçado planejados não é divertimento, tampouco passatempo. É lição disfarçada de brincadeira.
O espaço da criança foi eliminado. Em casa, muitos pais têm a
ilusão de que destinar o quarto
do filho para que ele esparrame
seus muitos brinquedos e faça o
que quiser é dar espaço a ele.
Mas a criança fica é confinada
em seu quarto. O espaço público
foi roubado dela. Não dizemos
que rua não é lugar para criança?
Por outro lado, consideramos
que shopping o é.
Mas o fator que mais contribui
para a eliminação da identidade
infantil é a maneira como tratamos e educamos as crianças. Elas
são introduzidas no mundo
adulto de modo repentino e prematuro -pelas informações que
recebem, pelo modo de se vestirem e se portarem, pelos locais
que freqüentam, pela linguagem
que aprendem, pela cobrança
que recebem etc.
Não: as crianças de hoje não
são precoces, como muitos acreditam. Suas manifestações são só
reflexos dos ensinamentos e estímulos que recebem e do mundo em que vivem.
Podemos considerar o Dia da
Criança, hoje, um dia vazio de
sentido. Precisamos construir
muitos outros dias para que a
criança possa ser criança. Afinal,
são bem poucos os anos em que
se pode ser criança: mais ou menos seis para a primeira fase da
infância e, depois, outro período
equivalente para a segunda. E temos o restante da vida -quase
60 anos, em média- para aprender a ser adultos e a cuidar dos
mais novos. Por um Dia da
Criança infantil!
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como
Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@folhasp.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br
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