São Paulo, quinta-feira, 11 de outubro de 2007
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ROSELY SAYÃO

Ser criança

"Doze de outubro é declarado o Dia da Criança. Quem comemora tal data? O comércio, sem dúvida. Por mais tímidas que sejam as vendas de brinquedos, eletrônicos e toda sorte de produtos para o público infantil -aliás, é bom considerar que até adolescentes correm sério risco de serem presenteados-, um aumento sempre acontece. É que pais, tios, avós e amigos da família querem fazer um mimo para a criança, que, exposta que está aos veículos de comunicação, sabe cobrar o que acha devido. Ganhar presentes nessa data tornou-se fato quase banal. Obrigação, digamos.
Será que as crianças desfrutam dos presentes? Provavelmente, sim, por pelo menos uns 15 minutos. O fato é que, para crianças que já têm mais do que precisariam para descobrir o mundo pela brincadeira, fica difícil entregar-se a uma única atividade ou escolher um brinquedo entre tantos. Vale lembrar um velho ditado popular que diz que quem tem tudo não tem nada.
Pensando bem, o comércio e a indústria talvez sejam os únicos segmentos da sociedade com motivos para comemorar a data. Afinal, o que pais, profissionais da educação e adultos implicados com o futuro teriam a celebrar? O fato de a identidade infantil estar perdida no mundo contemporâneo?
Vejamos: as crianças pertencentes a famílias de classe média não têm tempo nem espaço para brincar. Desde cedo, são estimuladas para o aprendizado que deverá render frutos no futuro. São intencionalmente dirigidas pelos adultos em brincadeiras que visam algum aprendizado. Ora, brincadeira com objetivo e traçado planejados não é divertimento, tampouco passatempo. É lição disfarçada de brincadeira.
O espaço da criança foi eliminado. Em casa, muitos pais têm a ilusão de que destinar o quarto do filho para que ele esparrame seus muitos brinquedos e faça o que quiser é dar espaço a ele. Mas a criança fica é confinada em seu quarto. O espaço público foi roubado dela. Não dizemos que rua não é lugar para criança? Por outro lado, consideramos que shopping o é.
Mas o fator que mais contribui para a eliminação da identidade infantil é a maneira como tratamos e educamos as crianças. Elas são introduzidas no mundo adulto de modo repentino e prematuro -pelas informações que recebem, pelo modo de se vestirem e se portarem, pelos locais que freqüentam, pela linguagem que aprendem, pela cobrança que recebem etc.
Não: as crianças de hoje não são precoces, como muitos acreditam. Suas manifestações são só reflexos dos ensinamentos e estímulos que recebem e do mundo em que vivem.
Podemos considerar o Dia da Criança, hoje, um dia vazio de sentido. Precisamos construir muitos outros dias para que a criança possa ser criança. Afinal, são bem poucos os anos em que se pode ser criança: mais ou menos seis para a primeira fase da infância e, depois, outro período equivalente para a segunda. E temos o restante da vida -quase 60 anos, em média- para aprender a ser adultos e a cuidar dos mais novos. Por um Dia da Criança infantil!


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@folhasp.com.br

blogdaroselysayao.blog.uol.com.br


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