São Paulo, quinta-feira, 12 de maio de 2005
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Gravidez

Estresse e fadiga da mãe podem fazer com que feto diminua e até cesse seus movimentos no útero

Cansaço de mãe para filho

ANA PAULA DE OLIVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

A designer Janaína de Luna, 27, não aproveitou a gravidez para diminuir o ritmo de seu cotidiano frenético. Pelo contrário, esse foi um motivo a mais para redobrar seus esforços. Profissional autônoma e ainda cursando faculdade de moda, ela acumulou todos os trabalhos que conseguiu.
Mas, aos seis meses de gestação, Janaína sentiu que seu bebê não se movimentava como antes e procurou o obstetra. O diagnóstico: o feto estava "cansado" e havia "dormido" 20 horas consecutivas.


A pouca movimentação do feto não ocorre pela fadiga da criança, mas como forma de economizar energia em resposta ao cansaço da mãe


O termo "cansado", comumente usado em explicações para leigos, não é tecnicamente preciso. A pouca movimentação do feto, em casos como esse, não ocorre pela fadiga da criança, mas como forma de economizar energia em resposta ao cansaço da mãe.
Isso acontece porque, quando constantemente cansada, a gestante passa a ter sua pressão e seus batimentos cardíacos elevados, segundo a médica Denise Araújo Lapa Pedreira, coordenadora da equipe de medicina fetal do hospital Albert Einstein. Esse aumento provoca uma redução da irrigação sangüínea em alguns órgãos do corpo, inclusive o útero -apesar de ele ser o mais poupado pelo organismo.
Como conseqüência, o feto passa a economizar energias. "O bebê usa alguns mecanismos para se proteger, e um deles é diminuir e até cessar a movimentação", diz a médica.
Somado à fadiga, o estresse também contribui para o "cansaço" do feto. De acordo com Mary Nakamura, chefe dos Departamentos de Obstetrícia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), os neurotransmissores do estresse são vasoconstritores (diminuem o calibre dos vasos sangüíneos). Quando atuam sobre os vasos, eles dificultam o transporte de sangue oxigenado ao útero.
"Ao extremo, isso pode causar tanto uma contração uterina, desencadeando o trabalho de parto, quanto uma hipoxia [baixo teor de oxigênio] uterina. Se não tratado, pode levar ao óbito", explica Nakamura.

DUPLA JORNADA
Para ela, essa ocorrência, há 30 anos, não era tão comum como atualmente. "As mulheres estão tendo filhos numa idade mais tardia, o que pode provocar algumas complicações, sem levar em conta que a dupla jornada contribui com a fadiga."
De acordo com alguns médicos, entretanto, apenas o cansaço -aliado ou não ao estresse- não é suficiente para fazer com que o feto interrompa sua movimentação. "Se fosse assim, nenhuma mulher teria filhos nos dias de hoje", diz o obstetra Ricardo Barini, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
A obstetra Roseane Mattar, da Unifesp, compartilha da mesma opinião. "Habitualmente, vemos mulheres com atividades muito intensas, sem que isso reflita na gestação", diz, afirmando que o estresse atrapalha, sim, a gestação. "Não por trazer danos à criança, mas por ser um momento ruim para a mãe."


Mulheres com diabetes tendem a apresentar excesso de açúcar, a chamada hiperglicemia, por isso, seus bebês se mexem muito mais


Segundo Barini, para haver a interrupção dos movimentos do feto, o cansaço deve estar associado a mais algum problema, como a alimentação inadequada. "O bebê se alimenta basicamente de açúcar. Se a mulher estiver com baixo nível de açúcar no organismo, o feto vai diminuir sua movimentação para se poupar, consumindo menos energia."
Há ainda o oposto: "A mulher com diabetes tende a apresentar excesso de açúcar, a chamada hiperglicemia. A conseqüência é a criança se mexer em excesso", explica Barini.
A hipertensão é outra causa que pode interferir nos movimentos fetais, pois também dificulta a irrigação adequada da placenta.

CONTROLE
Segundo os médicos, existe uma conta simples para saber se está tudo bem com a movimentação do bebê. "Em média, um feto saudável deve se movimentar sete vezes por hora", diz Denise Pedreira. Se ele se mexer menos do que isso, é bom procurar um médico.
O tratamento vai da ingestão de alimentos com alto teor de açúcar e do repouso da grávida até a injeção de glicose, se o caso for grave.
Outra técnica de averiguação da integridade do feto é a checagem da produção de líquido amniótico, que, além de ser responsável pelo desenvolvimento do pulmão, protege a criança contra traumas, de acordo com Pedreira.
Para isso existe um exame feito por ultra-sonografia que detecta a correta produção dessa substância. "Quando o líquido [amniótico] é diminuído, é que algo não vai bem", alerta.
De acordo com Marcelo Zugaib, professor de obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, estão sendo feitas pesquisas para quantificar as causas e conseqüências do cansaço aliado ao estresse crônico em mulheres grávidas.

11 DE SETEMBRO
Prova disso, pesquisa divulgada na semana passada, realizada pela escola de medicina Mount Sinai, em Nova York, e pela Universidade de Edimburgo, na Escócia, apontou que gestantes que ficaram traumatizadas com os atentados do 11 de Setembro passaram traços biológicos desse estresse aos seus filhos.
A constatação foi possível porque os pesquisadores identificaram uma redução no nível do hormônio cortisona -responsável pelo estresse- tanto na mãe quanto no bebê. Segundo os resultados do estudo, essa diminuição é típica de pessoas que apresentam estresse pós-traumático.
Baixos níveis de cortisona também foram encontrados em filhos de sobreviventes do Holocausto, porém os pesquisadores creditaram o fato à depressão dos pais provocada pela lembrança da tragédia.
De acordo com Zugaib, uma pesquisa com animais já havia constatado esse diagnóstico. Sob o efeito do estresse crônico, a pressão sangüínea aumentou, causando um mau desenvolvimento da placenta.
As mulheres grávidas estão constantemente submetidas ao estresse biopsicossocial, o que, além de ocasionar o estresse pós-traumático, também poderia desencadear o parto prematuro e até o aborto.
Mas isso, alerta Zugaib, somente quando se trata do estresse crônico, aquele de longa duração. "Um evento isolado, como um assalto, não tem esse efeito", diz.


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