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s.o.s. família rosely sayão
Pais ensinam "hiperatividade" aos filhos
Qualidade de vida é um tema apaixonante
que tem ocupado a cabeça de muita gente. Todo mundo está interessado em saber o
que precisa fazer para melhorar as condições
da própria vida e da vida da família. A saúde
parece ser o tema que mais chama a atenção; o que existe de gente se preocupando em melhorar a alimentação, em deixar vícios prejudiciais ao organismo, em abandonar a vida sedentária, por exemplo, é impressionante. Mas
pouca gente se lembra de que a qualidade de
vida significa não apenas uma boa saúde física
mas também uma boa saúde mental, e o relacionamento com a família e com os amigos
entra justamente aí.
Os pais bem que têm tentado proporcionar
uma boa vida aos filhos. Isso vai desde oferecer-lhes cursos de várias modalidades de esporte até a preocupação em socializá-los. E lá
vão os pais levar e buscar amiguinhos para
passar o fim de semana com os filhos, levar e
buscar em festas, incentivar relacionamentos,
fazer viagens etc. Só que a socialização começa
mesmo em casa, com o relacionamento dos
pais com os filhos e com os filhos observando
o relacionamento que os pais têm entre si,
com o restante da família e com os amigos. E
esses relacionamentos, como vão?
Já sabemos que o estilo de vida que adotamos é bem individualista e solitário, mais
competitivo do que solidário, mais egoísta do
que altruísta, ou seja, mais para o monólogo
do que para o diálogo, mais para a fala do que
para a escuta. Receber amigos em casa, hoje,
significa muito mais a preparação para o encontro do que a curtição da presença deles.
Dedicar um tempo aos filhos quase sempre
tem mais a ver com programas a serem feitos
do que com desfrutar da companhia deles. Parece que tem sido difícil nos relacionarmos
com os outros -filhos incluídos- sem a mediação de uma atividade. Depois não somos
nós que reclamamos da "hiperatividade" das
crianças? Pois é o que temos ensinado a elas.
Um amigo, retornando de uma curta temporada de estudos no exterior, comentou que
lá -sozinho e estrangeiro- foi que se deu
conta de que a vida depende, acima de qualquer coisa, das relações que temos com os parentes e com os amigos. Mas isso significa o
pacote completo: o compromisso com o relacionamento, a sensibilidade para perceber
quando precisam de nossa companhia e de
um alento para a difícil vida, os conflitos
-reais e mentais- que temos com eles, o
tempo que é preciso para dedicar a eles, a sensibilidade para saber pedir socorro e perdoar
etc. Só arcando com tudo isso teremos o prazer de desfrutar dos laços afetivos que fazem
tanto bem quando precisamos.
Com os filhos não é a mesma coisa? Educar e
cuidar demanda paciência, insistência, persistência e dá muito trabalho. Mas passar uma
noite, um dia, um fim de semana, uma hora
ou até mesmo alguns minutos convivendo
com o filho, ouvindo as histórias da vidinha
dele, os pensamentos que constrói sobre a vida e a respeito dos próprios sentimentos ou a
opinião que tem sobre qualquer coisa, é um
verdadeiro prazer. É assim que os pais assistem ao crescimento e ao desenvolvimento do
filho, percebem que ele aprendeu coisas que
eles nem imaginavam que já soubesse, identificam o estilo de ser humano que ele está adotando. Hoje as crianças têm feito exigências
cada vez maiores quanto a brinquedos e programas. É que, do mesmo modo que os adultos, eles têm valorizado mais o fim do que o
meio. E o sabor de fazer qualquer coisa -ou
de não fazer nada- na companhia de quem
gostamos tem-se perdido.
Como estamos no fim do ano, muitos pais
planejam as festas e alguma viagem com os filhos nas férias. Por que não fazer com que participem do planejamento, dos preparativos e
de tudo o mais necessário nesses tipos de programa? Afinal, viajar não é apenas chegar a algum lugar. Assim, os pais estarão socializando
o filho e construindo aquele sentimento tão
importante para a identidade que é o de "pertencimento". Desse modo a qualidade de vida
ganha outro tom e a vida interna do filho, uma
outra riqueza. E a dos pais também, é claro.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e
autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-
mail: roselys@uol.com.br
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