São Paulo, quinta-feira, 12 de dezembro de 2002
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

s.o.s. família rosely sayão

Pais ensinam "hiperatividade" aos filhos

Qualidade de vida é um tema apaixonante que tem ocupado a cabeça de muita gente. Todo mundo está interessado em saber o que precisa fazer para melhorar as condições da própria vida e da vida da família. A saúde parece ser o tema que mais chama a atenção; o que existe de gente se preocupando em melhorar a alimentação, em deixar vícios prejudiciais ao organismo, em abandonar a vida sedentária, por exemplo, é impressionante. Mas pouca gente se lembra de que a qualidade de vida significa não apenas uma boa saúde física mas também uma boa saúde mental, e o relacionamento com a família e com os amigos entra justamente aí.
Os pais bem que têm tentado proporcionar uma boa vida aos filhos. Isso vai desde oferecer-lhes cursos de várias modalidades de esporte até a preocupação em socializá-los. E lá vão os pais levar e buscar amiguinhos para passar o fim de semana com os filhos, levar e buscar em festas, incentivar relacionamentos, fazer viagens etc. Só que a socialização começa mesmo em casa, com o relacionamento dos pais com os filhos e com os filhos observando o relacionamento que os pais têm entre si, com o restante da família e com os amigos. E esses relacionamentos, como vão?
Já sabemos que o estilo de vida que adotamos é bem individualista e solitário, mais competitivo do que solidário, mais egoísta do que altruísta, ou seja, mais para o monólogo do que para o diálogo, mais para a fala do que para a escuta. Receber amigos em casa, hoje, significa muito mais a preparação para o encontro do que a curtição da presença deles. Dedicar um tempo aos filhos quase sempre tem mais a ver com programas a serem feitos do que com desfrutar da companhia deles. Parece que tem sido difícil nos relacionarmos com os outros -filhos incluídos- sem a mediação de uma atividade. Depois não somos nós que reclamamos da "hiperatividade" das crianças? Pois é o que temos ensinado a elas.
Um amigo, retornando de uma curta temporada de estudos no exterior, comentou que lá -sozinho e estrangeiro- foi que se deu conta de que a vida depende, acima de qualquer coisa, das relações que temos com os parentes e com os amigos. Mas isso significa o pacote completo: o compromisso com o relacionamento, a sensibilidade para perceber quando precisam de nossa companhia e de um alento para a difícil vida, os conflitos -reais e mentais- que temos com eles, o tempo que é preciso para dedicar a eles, a sensibilidade para saber pedir socorro e perdoar etc. Só arcando com tudo isso teremos o prazer de desfrutar dos laços afetivos que fazem tanto bem quando precisamos.
Com os filhos não é a mesma coisa? Educar e cuidar demanda paciência, insistência, persistência e dá muito trabalho. Mas passar uma noite, um dia, um fim de semana, uma hora ou até mesmo alguns minutos convivendo com o filho, ouvindo as histórias da vidinha dele, os pensamentos que constrói sobre a vida e a respeito dos próprios sentimentos ou a opinião que tem sobre qualquer coisa, é um verdadeiro prazer. É assim que os pais assistem ao crescimento e ao desenvolvimento do filho, percebem que ele aprendeu coisas que eles nem imaginavam que já soubesse, identificam o estilo de ser humano que ele está adotando. Hoje as crianças têm feito exigências cada vez maiores quanto a brinquedos e programas. É que, do mesmo modo que os adultos, eles têm valorizado mais o fim do que o meio. E o sabor de fazer qualquer coisa -ou de não fazer nada- na companhia de quem gostamos tem-se perdido.
Como estamos no fim do ano, muitos pais planejam as festas e alguma viagem com os filhos nas férias. Por que não fazer com que participem do planejamento, dos preparativos e de tudo o mais necessário nesses tipos de programa? Afinal, viajar não é apenas chegar a algum lugar. Assim, os pais estarão socializando o filho e construindo aquele sentimento tão importante para a identidade que é o de "pertencimento". Desse modo a qualidade de vida ganha outro tom e a vida interna do filho, uma outra riqueza. E a dos pais também, é claro.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e- mail: roselys@uol.com.br


Texto Anterior: poucas e boas: Clínica atende pacientes com lesão na medula
Próximo Texto: outras idéias - michael kepp: Uma sugestão radical para o Natal
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.